segunda-feira, 25 de março de 2013

O Escafedido



Segunda mal abrimos a porta da delegacia e a “clientela” vai despencando pra dentro (segunda é sempre assim). Eis que chegam três mulheres chorando, aflitas, relatando que o marido de uma delas desapareceu. Saiu para pescar na sexta-feira, e sumiu, abandonando sua carroça e cavalo; num acampamento próximo ao rio; na carroça todos seus documentos e mais alguns objetos; além de seu barco que ficou desamarrado encostado em um barranco. Pensamos: “se afogo o vivente”. Mais que de pressa se vamos ao resgate do sumido. Fizemos o contato com a PM local cientificando do fato, e nos largamos para as barrancas do rio, os três policias da DP, os dois únicos PMs que estão de serviço, junto com mais uns amigos do escafedido.
Os PMs ficaram em terra firme, aguardando a chegada da equipe dos bombeiros que viria da capital. Enquanto subimos de barco a motor aquelas águas barrentas, para ver se o CADAVER não estava boiando por ali. Nós sem nenhuma técnica especial para esse tipo de resgate, mais o pescador “motorista” do barco, vasculhando o rio na raça e na coragem. Apesar da aflição pela eminência de darmos de cara com um morto flutuante, era ótima a sensação do vento no rosto e a visão do rio repleto de curvas sinuosas e galhos boiando.
Descemos do barco e enfiamos a cara na mata fechada; muita vegetação e muito barro; me atolo até a cintura no meio do charco. Pior que pra nada, nem rastro do desaparecido. Segunda foi isso, muitas buscas, nós, a PM, os populares mas nem sinal do “homi”, já achávamos que estava morto preso a alguma vegetação no fundo do rio.
Os bombeiros chegaram quando já estava anoitecendo, efetuaram algumas buscas, mas a noite era muito perigoso, e jeito foi continuar no dia seguinte. Na terça-feira, ficamos na DP, agora a bronca era dos bombeiros. Esgravataram o rio com ganchos, para ver se se pescavam o corpo, mas da água só tiraram galhos. Nem sinal do desaparecido.
Quando já havíamos perdido as esperanças, recebemos uma ligação, informando que haviam avistado um homem a feição do sumido, na ponte de acesso a cidade. Pegamos a VTR e vamos ao resgate. Será que daríamos tanta sorte de achar o morto, vivo? Chegamos ao local, e ei-lo lá!
Todo sujo, faminto, estropiado, cansado, e louco de sede, sentado na ponte com uma sacola a seu lado. O abordamos; o pobre mal tinha forças para falar. E ao olhar na sacola qual não foi nossa surpresa, ao ver um rabo de tatu saltando para fora. Caça de animal silvestre é crime, tá na lei. Na DP, viemos a saber da verdade, o sumido, passou o final de semana caçando no mato, e quando estava voltando pro acampamento viu as viaturas, e achou que ia ser preso, por crime ambiental, e se foi “a la cria”, se perdendo na mata fechada.
Aí murchou os “balão” da festa. A esposa que estava toda faceira ao ver o finado vivo, desarmou o sorriso, ao ter que pagar a fiança. E daí sim quis matá-lo. E o escafedido, que estava fazendo arte, ao ser salvo foi autuado. E disso tudo ficou o legado, de não ir atrás de todo choro de viuvá, e que nem todo desaparecido é coitado.



quinta-feira, 14 de março de 2013

Partido ao meio


Tarde de uma quarta-feira qualquer, e a vizinha da delegacia pergunta, se sabíamos da mulher que havia sido partida ao meio por uma motosserra. Achei estranho, pois, ninguém havia nos avisado do fato. Ligamos para o hospital local e informaram que uma senhora, deu entrada cortada por uma motosserra. Falha do hospital que não avisou da ocorrência, mas tudo bem, fomos ver do que se tratava. Em la chegando fomos ao quarto onde estava a vítima. Visão das piores, a mulher já falecida, com um corte imenso, do ombro ao peito. Fora dilacerada. Imagem difícil de digerir, uma mulher de 50 anos, mãe de família, 3 filhos, ali nua, sem vida, deitada com os pudores amostra, numa maca fria de hospital. Ok. Tudo bem, fingi que aquilo era normal, afinal sou polícia. Impossível achar isso normal. Morrer assim serrado, coisa de filme macabro. Não me senti confortável com a situação, não sei se pela nudez da senhora, ou pela tristeza da cena. Apesar de não ter maiores problemas com casos de morte, é claro que de inicio tonteia, atordoa, choca, mas depois que passa o choque, fico elétrico não sei o porquê. Mas como isso? Perguntei à enfermeira. Respondeu que ela caiu sobre a motosserra. O irmão estava cortando lenha, e ela tropeçou e caiu. Que fatalidade! Jeito fútil de morrer. Deixamos a vítima descansar em paz e fomos atrás do irmão. Simplesmente inconsolável. A família toda na verdade. Entre lagrimas o cidadão contou que estava cortando umas ripas no chão, e as escorava com um tijolo e cortava, para construir a casa da Irmã, e ela em volta varrendo, até que prendeu o chinelo em um buraco e caiu sobre a motosserra ligada. Imaginei a cena. O corpo dela caindo lentamente, o irmão a olhando, sem nada poder fazer, com a motosserra acelerada nas mãos. Aquele sangue todo. O sabre rasgando tecidos e ossos. E pior os filhos estavam próximos, e viram tudo. Que dizer? Fiz meu trabalho, levantei o local, tirei foto, vi muito sangue no chão, nas paredes, o chinelo da mulher ainda lá. O marido chorando, as crianças. Enfim... Deixou o marido, três filhos, e o irmão traumatizados. Coitado, ser assassino assim, sem pretender sê-lo. Que culpa. Que drama. Fiz o inquérito, ouvi todo mundo. E após tudo passado partido ao meio fiquei eu.

Autor:FSantanna

Abraço de morto


Mais um domingo de sobreaviso, e eu tendo que ficar mais uma vez preso no interior, a 200 km dos braços de minha amada o que fazia cada plantão um martírio. Ainda bem que já estava quase acabando já eram umas 6 horas da tarde do domingo. Eis que o telefone toca. É a policia militar avisando que houve um suicídio no interior. E lá vou eu e um colega verificar o fato. Muita poeira, pedras, sobe e desce morro e chegamos. Um Fundão, e já na porteira o dono bastante nervoso, vai nos apontando um mato no fundo da casa, onde esta o corpo. Se tratava de um velho caboclo, de 60 anos, meio tantã da caxola, que tinha o costume de subir em arvores e pular de galho em galho feito macaco. Minha mente viajou nesta imagem, e já vi o velhinho pulando faceiro entre os galhos, fazendo piruetas e malabarismos. Entrando no mato, havia um córrego de águas límpidas, e uma caverna. Belo lugar. E logo em frente, dois caipiras com a mão na cintura. Perguntamos onde estava o cadáver e nos apontaram para o alto. O taura estava pendurado pelo pescoço em uma arvore a uns 4 metros do chão. Pelo jeito era verdadeiro o hábito arborícola do caboclo. De duas uma, ou realmente quis de suicidar, ou em uma de suas piruetas mirabolantes acabou se atrapalhando e encaixou o pescoço em uma arvore em forma de “furquia” (segundo disse um dos caipiras). Realmente a arvore era uma forquilha perfeita, parecia um imenso botoque, e o caboclo com o pescoço preso nela, e suas pernas dependuradas. E agora com tirar esse índio de lá? Era muito alto, não tinha como puxá-lo, o jeito foi cortar a arvore.  Logo apareceu outro caipira com uma motosserra e pos-se a serrar, e eu segurando o tronco para não despencar, depois o corpo do caboclo. Eis que num soco a arvore cedeu, e o corpo caiu por cima de mim, e o defundo me abraçou, virando o rosto bem de frente para o meu, me fitando nos olhos. Ficamos cara a cara, e me vi abraçado num corpo pútrido, com varejeiras no nariz, tapado de formigas pelo corpo, exalando um insuportavel mau cheiro. Troço ruim vou lhe dizer, abraço de defundo não é nada agradável. Era bem melhor admira-lo lá debaixo. Não senti nojo, mas realmente era uma situação ruim, tão ruim, que o dono da fazenda que estava a observar a função, foi vomitar no córrego. É passou mal o vivente. Realmente o cheiro não era bom. Com ajuda baixamos a arvore e pomos o corpo no chão. Estava ali a mais de dia, com as moscas o rondando. E assim se foi o trapezistas das arvores, não pude vê-lo em ação infelizmente, mas pelo menos recebi um abraço de despedia, abraço de morto, mas mesmo assim um abraço sincero.

Autor: FSantanna

Galinha Estragada


Policia novo em uma cidade do interior, recém vindo da capital, mal fazia ideia de quantas tetas tinha uma vaca, e dos costumes campeiros nada sabia. Até que um belo dia entra na delegacia uma senhorinha, maltrapilha, com as vestes sujas de terra, e o rosto muito enrugado. Pergunto: - Em que posso ajudá-la. E me diz que queria fazer um ciente. Perguntei sobre o que se tratava. E respondeu que haviam roubado sua única galinha. - Ah, então foi um furto. A senhora viu o ladrão? – Não vi, não. Mas é que minha galinha tava velha, e vertendo uma aguinha em baixo. Não entendi bem o que tinha a ver, a galinha estar doente com o delito. E ela respondeu preocupada: - É que quero avisa, pra não comerem ela, se não podem passar mal. Não da pra anuncia na rádio? Pobre senhora, com pena que o vagabundo que lhe furtou a galinha, viesse a passar mal. A preocupação dela não era com seu prejuízo e sim com o ladrão. Tentei acalmá-la dizendo que anunciaria na rádio, e que pudesse ir tranqüila, e a senhorinha assim saiu da delegacia, com a alma aliviada. Não fiz o anuncio, tão pouco o registro, e muito menos o ladrão apareceu reclamando da galinha estragada.

Autor: FSantanna