terça-feira, 18 de junho de 2013

Uma sexta-feira


Começa mais uma sexta-feira na cidade de pedra, e meu único desejo é que o dia passe o mais rápido possível, pois à tardinha finalmente após 15 longos dias posso ir para casa, ver minha família e amigos, já que pela cidade ser pequena, trabalhávamos no sistema de sobreaviso, que me forçava a ficar  sem ir para casa, as vezes até por um mês.
Pela manhã o único compromisso é cumprir um MBA (mandado de busca e apreensão) na casa de um receptador “chinelinho”, que é primo de um outro ladrãozinho que estamos de olho. Então como o efetivo é de apenas dois policias aqui na DP, vamos pedir apoio a nossos co-irmãos da brigada militar, coisa estranha para policiais de cidade maiores, pela antiga rixa entre as instituições, mas aqui, por incrível que pareça civil e brigada são quase uma coisa só, já cheguei a ficar sozinho um mês na DP e quem me ajudava a intimar e fazer qualquer serviço de rua eram os brigadianos.
Estamos chegando ao quartel da brigada, e aparece do nada a oficial de justiça, nos aborda dizendo que tem um mandado de prisão a cumprir. OK. Ela tem mais uma voltas para dar pelo interior, e combinamos de cumpri-lo à tarde. E lá vamos nós em duas viaturas cumprir o dito MBA, na casa dos chinelos.
A primeira casa: um cafofo de madeira, na beira da estrada, casa de interior é assim, quem conhece sabe, interior tem dessas coisas, estrada de terra, esburacadas e muito barro no inverno, mas tudo bem. Então estou eu a revirar o guarda-roupa do vago. Cuidando para que não se desmanche em minhas mãos, troço, velho, podre, fedido. Pego um saco e de dentro dele salta um rato, mas... Um rato criado. Vida de polícia tem dessas coisas, a gente acaba se acostumando. Ainda avistei uns dois ratos no meio das roupas mais aí já estava precavido, tirei todas aquelas roupas imundas de dentro do roupeiro, e não achamos nada, até que pego um saco de estopa e aí sim... Formigasss...  Milhões de formigas, e eu sem luvas! Um saco que era só formigas e uns panos brancos sujos dentro. Nessa casa não achamos nada, na outra, do irmão do chinelo, também não. A única coisa que achei foi uma Variant, pura ferrugem que o vago disse recém ter comprado, deve ter comprado no ferro velho só pode. Nem sempre se logra êxito neste tipo de diligência, mas sem tem uma próxima vez.
Desse MBA nada de especial, a única coisa que me ficou foi aquela imagem das formigas saindo do saco, com certeza iria sonhar com formigas naquela noite.
A tarde mais umas oitivas! Na quarta passada tinha ocorrido um furto mirabolante a banco, e essa oitiva foi a mais rápida, durou uma hora e meia, e eu já cansado, dia quente, e nem banho havia tomado, todo suado, enfim...
São cinco horas e eu só pensando em ir para casa, e quem chega?
A oficial de justiça! E eu que tinha dentista às 18 horas...
Combinamos tudo, e ela disse que iria na frente, ver se o cara estava em casa, e nos chamaria caso precisasse, não queria que ele visse as viaturas para não se assustar e fugir. Pegamos mais um brigadiano de reforço e vamos, a oficial de justiça de táxi. Chegamos na fazenda onde iriamos efetuar a prisão, a oficial vai na frente, e nós escondidos com a viatura atrás, e aí vem o taxista correndo e gritando:
- Ele tá fugindo! Ele tá fugindo!
Saímos em disparada o brigada voando na frente e eu atrás, sem saber para que lado. Não vimos pra onde o cara correu, só vejo a oficial dizendo:
- Ele me disse que ia pegar umas roupas e fugiu.
É fomos ingênuos achando que seria fácil, e no fim o sujeito se apavorou e fugiu.
O jeito é se virar em pernas. Me embrenho no mato fechado, atrás do fujão, com arma em punho, e pensando: “Será que esse cara correu pra pegar uma arma e esta nos esperando no meio das arvores?” A essa altura não adiantava pensar muito, era ir atrás ou deixar o mandando para outro dia. Mas não paramos pra pensar.
Já havia perdido o brigadiano de vista, minha colega fez a volta de carro, para ver se o sujeito saia para a estrada. E me vejo completamente sozinho, ainda bem que era policia novo, e o treinamento recebido na academia ainda estava fresco na mente.
Vou andando rápido com o peito acelerado, tentando controlar a ansiedade. Acaba o mato e tem um campo aberto e lá em frente, bem a frente, após um banhado um cara andando. Será o vago? Não sei... Não vi ele fugir, não sei como ele é (outro erro, não puxamos a foto do elemento antes de cumprir o MBA), vou me aproximando, ele me vê e começa a correr novamente, e eu sozinho, sem cobertura alguma, nessa situação não tinha outro jeito.
- Polícia parado!!!
Ao contrário do que ensinam na acadêmia de polícia, ele não parou! E agora?
Continuo correndo, me jogo feito um boi no banhado, eu de tênis novo,  fico com barro até o peito, coração na boca, saio do banhado, mais uma corrida de 500 metros (por isso é importante estar sempre bem preparado fisicamente) e alcanço o vago:
- Mão na cabeça, deita, deita!!
Novamente ele não acata as ordens, não quer deitar. E na cabeça só me vem... Estágio probatório... Estágio probatório.... Atirar realmente não seria uma boa opção, poderia me trazer muitos problemas.
Tento ficar calmo, controlar a raiva, desse infeliz ter me dado tanto trabalho, e digo que nada vai acontecer se ele se entregar. Até que ele diz:
- Eu me entrego.
- Então põem as mãos pra trás.
- Não vô por, to me entregando.
- Tenho que te algemar.
- Não vo por algema, vo na boa.
Aham... O cara fugiu, resistiu, só parou por que alcancei ele. Nada até agora tinha sido na boa, porque mudaria?
 - Vai andando.
Ele na frente e eu atrás, a uma distância segura, dedo fora do gatilho, e arma apontada a 45 º, mesmo assim com toda atenção, pois, se esse cara avança em mim não tenho outra opção se não atirar, se pega minha arma a coisa iria ficar feia. O cara é grande e gordo.
E via nos olhos dele que a única coisa que queria era um descuido meu. Com o celular na mão falou que queria ligar para o irmão, para ele chamar o advogado:
- Anda, anda... Tu ta folgando.
Nisso aparece o brigadiano, e ao me ver vem correndo se atira no banhado. E sem mais delongas agarra num braço do “xarope”, e eu o outro, e passa uma rasteira, e o vago cai com tudo de cara no barro, coisa mais linda!  E já caímos por cima dele, o imobilizando. Parece um porco chafurdando na lama, só vejo ele levantando tapado de barro. Aí finalmente se acalmou, o algemamos, e colocamos na viatura. É como diz o ditado, “amigo que é amigo, não é o que aparta a briga e sim aquele que já vem dando “voadera”!”
Depois disso, fazer exame de lesão, “um quadro” é “perambularmos” com o cara pelo centro da cidade, ele tapado de barro dos pés a cabeça “só com os óinho de fora”, parecendo uma “nega maluca”, pra fazer o tal exame.
Finalmente às 20 e 30 deixamos ele no presídio, e voltamos pra base, eu, minha colega e o brigadiano.
Apesar de extremamente cansado, e sujo dos pés a cabeça, valeu a pena, pois, fiz meu trabalho, mesmo sabendo que havia cometido vários erros, tem coisa que só se aprende na prática, mas pelo menos no final o que importa a maior recompensa é a consciência de ter feito tudo possível para cumprir minha função.