quarta-feira, 16 de abril de 2014

O Preso e a lasanha


A vida sempre reserva surpresas, até nos momentos mais inesperados.
Eu novo numa DP grande, trabalhando em um Cartório, e ainda assustado com aquela função toda, chegando a oito flagrantes por dia, e o pessoal do plantão bem atucanado. 
Naquele dia havia ficado trabalhando até mais tarde, eram umas 19 horas, e a tarde toda entrando e saindo preso, e dava para ouvir desde o começo da tarde que um preso resmungava alguma coisa, e de tempos em tempos um colega ia até a cela e o xingava, mandava calar a boca. Dizendo que vagabundo tinha que ficar quieto, que se estava achando ruim, que não tivesse cometido o crime, etc, etc e tal. Aquele velha cena de cana dura esculachando vago. E se destaca uma colega, muito exaltada que entra em nossa sala uma hora, e reclama do preso, dizendo que ele é muito chato e não para de importunar o dia todo, e volta pra frente da cela para bater boca mais um pouco com o preso. 
Antes de ir pra casa sento na cozinha, próxima a cela, para tomar um café, e chega um dos colegas plantonistas, polícia velho já,  perguntando se a lasanha que esta na geladeira é minha, e respondo que não, e pergunto porque. O colega, um cara forte com cara de marrento, diz que se a lasanha não tem dono, ele vai esquentar e dar pro preso, porque o cara esta preso desde as 6 horas da manhã sem comer nada, e tá todo molhado e com frio. Que mais tarde ia em casa que era perto pegar uma toalha pro vago se secar, e buscar uma janta e dar um pouco pro cara também. 
Realmente aquela atitude do colega me deixou perplexo, pois até então a única atitude dos colegas com aquele infeliz tinha sido de humilha-lho, e piorar sua situação, e agora esse único mostrando comiseração para com o preso.
Depois de comer a lasanha o preso de aquietou e dormiu, até que o levassem ao presidio.  
Fiquei tão pasmo que nem disse nada ao colega, e fui pra casa. 
Não que eu seja favorável a ser “bonzinho” com vagabundo, mas no  caminho fui pensando, que o cara já estava preso, e já estava começando a pagar por seu crime. Quem somos nós policiais para tentar fazer de certa forma uma justiça pelas próprias mãos, e aumentar o sofrimento do cara. Nosso dever é aplicar a lei, punir pelo crime cometido e não punir a pessoa por sua existência. 
Realmente fiquei comovido com aquela atitude, uma atitude boba até, e não achei que ele foi “bonzinho” ou frouxo, até porque se o preso tem uma hipotermia ele que ia abraçar a bronca. 
Mais tarde caiu a ficha que estava diante dum baita exemplo, de que somos policiais, mas humanos acima de tudo. 
Infelizmente nunca tive a oportunidade de dizer a esse colega o quanto o bom exemplo dele me marcou, mas com certeza ele não precisaria dessa bajulação, acho que a melhor forma de retribuir um bom exemplo é buscar replicá-lo.