quinta-feira, 5 de dezembro de 2013

Probleminha.


Mais uma sexta-feira naquela delagaciazinha de cidade pequena, e minha única vontade era que o dia passasse o mais rápido possível, para voltar para casa a 200 km dali, e descansar com minha família. Pelas 9 horas chegada o tal de “Fininho” na DP, “um chinelo conhecido”, ladrãozinho fino. Só nesse ano tinha respondido uns dez inquéritos de furto e roubo. Chegamos a cumprir um mandado de busca na casa dele, e até foi engraçado, pois, nunca tinha visto uma maloca com tanta coisa furtada. Tudo na casa era de furto, fogão, geladeira, ventiladores, tudo mesmo, tivemos que chamar um caminhão da prefeitura para levar as tralhas, mas como Fininho não estava no local, não foi preso em flagrante. Apesar de tudo, o sujeito parecia um pobre coitado, magrinho, pequeno, ombros caídos, falava baixinho, todo humilde, parecendo um desses colonos ingênuos do interior.
Como já estava acostumado com a presença dele na DP, já fui perguntando, que ele queria, e me disse, que queria falar comigo em minha sala. Pude ver que ele estava nitidamente nervoso, com o boné nas mãos, tremendo. Perguntei:
Que foi? Que aconteceu contigo.
É que tive um probleminha em casa com a mulher.
     Não achei nada de mais, pois, no interior Maria da Penha é comum, e não era a primeira vez que ele se desentendia com a esposa. Uma “coitadinha”, humilde, que não tinha boca pra nada, mal sabia falar. O único defeito da pobre era andar sempre atrás do imprestável do marido, e pra piorar a situação tinham três filhos, e o ultimo recém nascido não tinha um mês ainda.
               -       Tá mas e aí, que aconteceu?
Um probleminha... Degolei a mulher (assim simples).
Mas como isso Fininho?
Ela disse que ia me larga, e ia conta tudo pra policia dos meus “robo”, dai eu degolei ela.
                 Que dizer pra um sujeito desses? Pedi pra ele esperar, falei com o delegado, e os outros colegas foram agilizando a perícia, e eu colocando o Fininho no papel. Repetiu tudo sem remorso. Perguntei onde estava o filho deles, e me respondeu que com ela, mas que ela tinha largado ele pra passar a cerca, e dai ele lhe cortou a garganta. Assim feito bicho, na frente do filho recém-nascido.
                    O restante da equipe da DP foi no local, um fundão de campo, no alto de um cerro, a mais de quilometro da estrada, isso a um sol de onze horas da manhã de um verão bagual. E fiquei registrando o flagrante, com Fininho algemado a bascula do cartório. Dizia ele que não precisava, que ele não ia fazer nada. Respondi apenas, que aquilo ali não era pra minha segurança, e sim pra dele, pois, só estávamos nós dois, e se eu desconfiasse de algum movimento dele, a gente podia se estranhar (colocando a mão no revolver), então com ele algemado eu ficaria mais tranquilo.
                   Nessas tantas, o delegado liga e pede pra eu ir fazendo a preventiva dele, que encontram a mulher, caída perto de uma cerca, esgorjada (existem três tipo de ferimentos cortantes no pescoço. Degola- ferimento mais superficial; Esgorja- ferimento profundo, onde a cabeça quase é separada do corpo ficando apenas pendurada, e Decapitação- onde a cabeça é separada do corpo). Disse o delegado, que a vitima tinha sido ferida brutalmente, e com muita violência e possuía diversos cortes profundos pelo corpo.
                  Nem dava pra acreditar que aquele capial, que estava na minha frente parecendo um pobre coitado, tinha feito aquilo.
                      Já eram umas três da tarde e ligo pro delegado dizendo que tá pronta a preventiva, ele diz já esta voltando pra DP, mas que falou com o juiz e ele não iria dar a preventiva, pois, o autor, tinha se entregado por livre expontanea vontade, e que ele seria solto para responder em liberdade. Não acreditei no que estava ouvindo, e disse ao delegado que não dava para soltar o cara, que a porta da delegacia estava cheia de gente, pois, a cidade toda já sabia do fato. Respondeu apenas que conversaríamos na DP.
                         Na delegacia o delegado assinou os papéis e disse pra eu soltar o cara, e eu respondia que a gente não podia fazer aquilo, e ele dizendo que era ordem do juiz. O sangue me ferveu, e acabei batendo boca com o delegado. Não acreditava que ia ter que soltar um assassino confesso. Infelizmente tive que acatar as ordens, e falar pro Fininho que ele ia ser solto. Ao ouvir isso o vago, fez uma cara de que não estava acreditando naquilo. Dizia ele:
                                  - Mas eu matei, como vão em solta? E se os irmão dela me matarem?
                                  Pois é... O vago não queria ser solto, estava com medo de ser morto pela família da vitima. Mas fazer o que? O Juiz tinha mandado soltar, tá solto. E lá se foi ele porta da delegacia a fora, passando pelos olhos incrédulos da população. De nada adiantou eu dizer pro delegado que para o povo da cidade, nós que ficaríamos como incompetentes, para eles nos que soltamos o assassino. Mas o delegado não queria peitar o juiz, pra ele era mais fácil me mandar ficar quieto, e assim o fez. A raiva me corroeu por dentro, pois, não foi pra isso que entrei na policia, mas infelizmente a justiça no Brasil é assim, para o criminoso tudo, para a vitima nada.
                                  O pior foi que na terça-feira, vários dias depois do fato, o juiz expede a ordem de prisão do cara. Não sei se para mostrar poder, ou para dizer que era ele que mandava ou que diabos, o fato era que teríamos que ir novamente no interior, subir cerro, andar quilômetros pelo campo, atrás de um cara que já havia se entregado. Absurdos da justiça brasileira meu povo!
                                 Então fui eu e um colega atrás do cara, depois de andar meia hora por lavouras, ficar sujo de barro até os joelhos, chegamos na casa do vago, que estava almoçando no fundo da casa. Em quatro dias o cara podia ter fugido, podia ter matado outra pessoa, podia ter sido morto, mas tivemos sorte ele estava em casa, realmente era um jeca o infeliz. Voz de prisão dada, o cara foi preso. Na viatura a ficha começa a cair, e ele a ficar agitado, e me pergunta se vai ficar muito tempo preso. Respondo que pouca coisa, uns três meses no máximo. Ele se acalma e vai tranquilo o resto da viagem até o presidio. É mas me enganei... Afinal não sou advogado. Fininho pegou 21 anos de cadeia, por ter deixado três filhos sem mãe. Mas me restou a pergunta: e um juiz desses tem mãe?

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Sequestro no Oco do Mundo


Duas da tarde estou em casa, bem deitado, sesteando aconchegado nos abraçado de prenda, na tela, Jogos de Amor em Las Vegas, bom filme. Ouço buzinaços em frente da casa, abro a janela. Vejo a VTR da Brigada Militar, e de lá sai meu amigo Emerson, com os olhos arregalados, apavorado, dizendo: -Roubaram dois caminhões carregados no interior, sequestraram os caminhoneiros. Eles tão bem armado, vamo atrás, te veste logo. Sequestro? bem armados... Na boa, foi como levar uma tijolada no meio da testa, comecei a me vestir, ala pomba bêbada, minha mulher me olhando apavorada: - Tu vai sair de casa? Sair do bem bom, dos braços da amada, pra perseguir bandido a unha! Coisas que só a polícia faz por você. Me visto, pego o armamento (um revolverinho cal. 38), e se vamo, atrás dos assaltantes, queimando pneu, voando para o interior resgatar os reféns. Eu sem acreditar muito no que estava acontecendo parecendo filme de ação, e pior, sabendo que o confronto com os bandidos bem armados seria quase inevitável. Logo entrando na estrada de terra, avistamos o primeiro caminhão abandonado. O motorista (vago) fugiu. Montamos uma barreira por ali, para ver se os meliantes voltavam. E logo soubemos noticias que eles fugiram mais para o interior numa caminhonete prata, e deixaram os reféns mais a diante. Vamo-nos novamente, a 140 km/h, em nossos potentes Corsa e Palio, ano 1999, soltando as peças. Encontramos os reféns que disseram que os assaltantes estão em 5 na caminhonete, que tem 4 espingardas calibre .12, e mais 2 pistolas 380, cada um. Olho para meu .38, e me sinto um piá com um bodoque na mão. E nós já enfiados no mato, sem rádio e celular mal pega, apenas consigo ligar pro meu colega e dizer: - Chama reforço, liga pro delegado, estamos no interior atrás do caras. Nos enfiamos no mato, e encontramos a Caminhonete abandonada. Chegar na caminhonete foi sinistro, ela encostada em uma curva do lado de um cemitério de fazenda. Tudo levava a crer que era uma emboscada. Graças a Deus não foi, os vagos não estava ali. Vasculhamos a área, nos em 5, mal armados, sem comunicação, sem reforço. E o BM mais antigo diz: - Pessoal fizemos o que tínhamos que fazer, recuperamos o caminhão, e a caminhonete, os reféns tão bem, e o outro caminhão foi pego na saída da cidade. Vamos tirar essa caminhonete daqui, voltar e esperar reforço, os caras tão bem armados, se der confronto não temos chance! Falou a voz da experiência, se morrêssemos ali, até para juntar os corpos ia demorar, pois o local era extremamente ermo. Voltamos para a estrada e fizemos barreira caso os bandidos tentassem voltar em outro veiculo, eu me sentindo o Capitão Nascimento, gritando ninguém passa, e revistando tudo que era Fuca e Brasília que passava pelo local. Ligamos para o reforço, que demorou mais de hora para aparecer. Quando apareceu fizemos mais umas buscas na mata, e fomos atrás de um informe que havia mais uns vagos em uma festa no interior com uma Ranger preta, que serviria para a fuga. Chegamos na festa. entramos atrás dos donos da caminhonete, agora com mais uns 10 de reforço da BM, de 12 na mão. Bom... Paramos a festa. O pessoal saindo apavorado, tiramos os donos da Ranger para fora, revistamos eles na frente do salão de bailes. Enfim... No fim os caras estavam limpos. Voltamos na DP. Tinha mais gente em frente a delegacia do que juntou no carnaval aqui da cidade. Era criança correndo, gente de tudo que é tipo, querendo saber do acontecido, tirando foto, entulhando a porta da DP. Mais reforços não vieram, e os que vieram foram embora, e vamos nós de novo, isso já são 10 da noite, eu e mais 4 BMs, para o mato fazer mais buscas, depois de correr muito de viatura em estrada de chão, subir cerro, descer cerro, rastejar no brejo. Confesso que rezando para não achar nada, afinal encarar 5 caras fortemente armados, com uma 12, dois 38, e duas pistolas, é piada. Não sou vídeo game, pra morrer e voltar, vida tenho uma só. Já é noite, e o que deu para fazer foi acalmar as famílias das propriedades onde realizamos as buscas. E vir embora. Achando tudo ótimo, pelo menos ninguém se feriu, e os bens foram recuperamos. Os vagos, hoje eles vão amanhã a gente pega. Essa é a dura realidade de policia do mato, até fazer uma ligação é difícil, mal equipados, abandonados, a única coisa que o policia aqui tem é a coragem, pois, se morrer só quem vai chorar vai ser nossa família. Como disse um sábio tutor de academia de policia: A maior obrigação que temos é voltar inteiros para nossa família no fim do dia.

quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Incêndio Macabro


Polícia no interior ouve e vê cada coisa que até São Tomé duvida, tem horas que parece que razão esta dando defeito. E este caso foi mais um desses relegados ao surreal, e até hoje, não consigo imaginar o que é real ou imaginação. Chega na delegacia um sujeito para registrar uma ocorrência de incêndio. Contou ele morar na capital, mas possuir um propriedade no interior do município, com uma casa e um galpão, e que neste local estava morando um tal seu Abrelino e sua esposa, que fazia meses que não pagavam aluguel. E para piorar ele ficou sabendo no dia anterior a casa pegou fogo, com tudo dentro. O dono acreditava que o tal Abrelino havia posto fogo na casa, pois, o “sedizente” vitimado, havia dado ordem de despejo à ele. Fui saber do que se tratava, entrei contato com a policia militar, onde me informaram que assim que souberam da ocorrência chamaram os bombeiros, pois fogo foi grande, e comeu toda a casa e o galpão que ficava atrás da mesma, e que quem havia chamado a PM tinha sido o próprio Abrelino. Pedi para que o policial militar que atendeu a ocorrência me companhasse ao local para o levantamento do mesmo, já que os bombeiros não conseguiram apontar a causa do incêndio, pois, quando chegaram tudo jazia em tons de cinza. No caminho o PM, foi me contando ter sido o primeiro a chegar, e o sr. Abrelino, um velho de lá seus 70 anos, e sua mulher da mesma idade, ainda estavam tentando apagar o fogo, com bacias e baldes, e até uma mangueira, mas tudo já havia sido lambido pelo fogo, tendo os míseros pertences da família virado pó. E ao perguntar ao velho como começou o incêndio, ele apenas dizia que não tinha sido ele que tinha posto fogo na casa. Chegando ao terreno, a dona Valdelina, esposa do suspeito (Abrelino), foi mostrando o estrago. Do ranchinho ficaram apenas as fundações, o que era de madeira virou carvão, o que era de ferro: panelas, talheres, fogão, tudo, tudo, preteou e retorceu. Não conseguia imaginar que vantagem o casal de idosos teria de por fogo em todos seus pertences, ainda mais pelo constavam, os dois não tinham para onde ir, e a senhorinha estava visivelmente desolada, sem saber o que fazer, ou a quem se socorrer. Tinha perdido todos seus parcos pertences e agora estava dormindo no galpão da propriedade do vizinho, apenas com as roupas do corpo. A senhorinha foi quem me mostrou o lugar ainda muito ansiosa, e dizia que o fogo havia começado em um quarto, e Abrelino o apagou, depois o fogo inciava novamente, isso por umas duas vezes. Depois o fogo inciou no outro quarto, até pegar fogo no forro da casa, e daí não deu mais tempo para nada. Foi curto circuito perguntei. Mas como seu moço, se nem luz nois tem na casa, respondeu dona Valdelina. Bom... Entreguei a intimação, para ela e o marido comparecerem na delegacia, para ver se achava algum sentido nessa história. No dia seguinte aparece o casalzinho na DP. Ouvi primeiro a velhinha, que me confirmou a mesma história, acrescentando detalhes difíceis de acreditar. Dizia ela que a meses, o casal ouvia barulhos pela casa. Eram pedradas e estalos pelos cômodos, e quando levantavam para ir ver do que se tratava, não avistavam ninguém. O rádio a pilha ligava sozinho, e as vezes portas da casa se abriam ou se chaveavam sozinhas. Poxa vida! Como que eu vou colocar isso num depoimento, pensei eu. O juiz vai achar que eu que estou louco, querendo culpar o além pelo fato. Pensei com meus botões: “essa velha só pode estar esclerosada”. Em seguida chamei sr. Abrelino achando que ele podia dar uma explicação mais razoável. Talvez tivessem deixado um candieiro aceso, um lampião, o fogão a lenha, algo assim. Entrou no cartório aquele caboclo, judiado pelo tempo, curvado do peso da vida, com as vestes sujas e poidas, um retrato de sua miserante situação. Perguntei se havia algum aparelho elétrico ligado na casa, antes do incêndio, e ele voltou a dizer que a casa não tinha energia elétrica. Perguntei sobre o fogão a lenha, ou outra fonte de calor, e respondeu que por ser dia claro, de um verão escaldante de um janeiro gaúcho, não tinha nenhum cavaquinho de lenha que fosse aceso na casa. Bom então “daonde” saiu o fogo, de um raio, de um cigarro? Então Abrelino começou a dar sua versão com a voz calma e resignada. Meu filho, o fogo começou num quarto, onde só tinha uma cadeira, e um rádio sem “pia” (pilhas), desligado. Peguei um barde e apaguei o fogo. Dali um tempo ouvi uns estalo e tinha fogo no quarto de novo. Vortei a aparta o fogo. Depois o fogo inicio no otro quarto, onde só tinha um frizi desligado, que a gente usava pra por as panela. Logo apareceu fogo no forro da casa. Despois já vi que tinha pego fogo no galpão onde tinha fumo secando. Dai eu e minha veía, mais os vizinho corremo com os barde, e manguera pra apaga o fogo. Mas uma hora fui vê e a manguera tava com um nó bem atado no meio dela. Não entendi. Se eu arrecém tava usando ela, quem que tinha dado um nó. Dali um tempo a maguera pego fogo também, chegando a derrete inté a tornera de prastico. Pegava o barde apagava de um lado, dai corria pro outro, e pegava fogo, e corria prum lado e pro outro, e já não tinha o que faze. A casa queimo toda, e o galpão também. Perdemo todas nossa roupa, as comida, e todo o fumo que eu tinha recebido por trabalha pro vizinho. Agora me diz, se o senhor acha que eu botei fogo na casa? Eu já não achava mais nada depois disso tudo. Daí perguntei, mas então seu Abrelino, quem pós fogo? E pior que ele respondeu. Seu moço, faz dias que tem espirito rondando a casa, jogando pedra, dando batida. Varias veis enquanto a gente tava na sala ouvindo rádio, quando via dava um clarão naquele quarto que pego fogo, uma luz branca bem forte, mas como se nem bico de luz tinha lá? Outras veiz um pano de prato pulava alto da mesa, sem ninguém incosta, as gaveta dos taier (talheres) abriam sozinha e caiam no chão. E por umas três veiz começo fogo dentro da casa, e a gente teve que apaga, só não nos mudamo, por não te pra onde i. O senhor pode bota aí, pro seu juiz, que foram os espirito do além que puseram fogo na casinha que nois morava. Mas seu Abrelino, como que vou dizer pro juiz, que foram os espíritos que botaram fogo na casa? O que o senhor vai escreve o senhor é que sabe, só sei que foi assim, e se o “capa preta” me chama vô dize isso na frente dele. Passei o que tinha para o delegado, que achou tudo muito estranho, mas por falta de provas, falta de nexo, e falta de qualquer boa explicação, remeteu o Inquérito ao juiz, no estado que se encontrava. Disso tudo a única certeza era que o casal de velhinhos tinha convicção das causas do incêndio, agora o que realmente aconteceu naquele dia, quem vai saber? Quanto a mim, não duvido nem desacredito, muito antes pelo contrário.

sábado, 21 de setembro de 2013

Serpenteando


Essa tenho até vergonha de contar, mas pior que foi assim mesmo que aconteceu sem tirar nem por (mais ou menos...). Mais um dia comum naquela delegacia de campanha, eu aturdido em meus afazeres diários, ouvia um, ouvia outro, papel pra cá, papel pra lá. Até que lá quase batendo meio dia, me chega na DP o Cabo Aparício, um brigadiano aposentado, cansado de guerra, figura folclórica na cidade, sempre pilchado dos pés a cabeça, e mais grosso que dedo destroncado. Entrou na polícia naqueles tempos que nem se precisava concurso, que se tu fosse bom de briga, te puxavam para virar policial, pra dar tapa em maconheiro (mas isso são outras lendas...). Cabo Aparício tinha dado uns sopapos num vizinho, coisa corriqueira pra ele. E eu tinha que ouvi-lo sobre o fato. Apesar da fama de casca grossa, comigo o Cabo sempre era simpático do jeito dele. chegava na DP me chamando de guri, e dizendo que eu tinha que da uma dura nessa gurizada, que o mundo tava virado, e outras tantas que eu relevava, por saber que apesar do jeito xucro, era gente buena o velho cabo. E fui tirando seu depoimento, ele  me contanto que o vizinho teve a audácia de dizer pro Aparício tirar o lixo da frente da casa dele, e como não tinha acordado bom da cara, acabou dando um corretivo nele. Mas até me dizer isso a  história foi longa. Estava ele contando desde os tempo que serviu no exercito, lá nos tempos do Gumercindo Saraiva, etc, etc, e tale coisa e coisa e tal. Acabada a explanação fui na outra sala, pegar a impressão do depoimento, e vejo um troço se mexendo no chão. Achei não estar vendo direito. Esfreguei os olhos pra olhar bem, e nem acreditei, tinha um cobra, serpentando e saracoteando, bem no chão da delegacia. E agora? Fiquei sem reação, pois, academia de polícia nenhuma nos prepara pra esse tipo de situação. Não sabia se atirava no bicho, e estragava o chão da DP, se deixava o bicho, ou sei lá o que fazia. Bom nem deu tempo de pensar muito. Logo me sai o Aparício, puxando de um três listra (facão) de mais de dois palmo de comprimento da cintura, e sai errado a dita cuja. A cobra deu uns pinote, e o cabo a caçando com o facão, a coice e botinada. Até que a bicha ergueu o pescoço, e foi-se. Deu-lhe faconaço que espirro sangue na parede da delegacia. E eu sem saber o que era mais louco, se uma cobra em plena delegacia ou aquele gaúcho fazendo toda aquela algazarra. Depois da estripulia, o Cabo botou o facão pra dentro da bombacha, e disse: “Tchê Loco! essa era das venenosa. Que perigo guri!”.  Que dizer depois duma dessas? Quando conto tem gente que até nem acredita, mas também... se me contassem nem eu acreditaria.

sexta-feira, 23 de agosto de 2013

Campo de Força.

Se tem coisa que sempre escutei era que ocorrência perigosa na polícia é envolvendo doente mental, mas apesar da campanha ter bastante gente “delereada” (como chamam os loquinho por aqui), maluco, maluco mesmo, diplomado (com atestado médico) são poucos. Mas como dificilmente durante a carreira de polícia, tu não vai ver de quase tudo nessa vida. Certo dia fomos chamados para atender uma ocorrência envolvendo um “doido”. O cara tinha pego uma inchada, entrado na casa do sogro, e sentado a inchada no véinho. E fomos lá pra ver a situação, eu, um colega, e uma brigadiana (já que aqui no “oco do mundo” o efetivo é pequeno, é normal a BM nos dar apoio na rua). Em lá chegando tava o véinho, com a cara redonda feito uma bolacha trakinas (toda inchada). Perguntamos o que havia ocorrido, e a esposa do doido, disse que ela tinha esquecido de dar os remédio pro marido, e ele entrou em surto psicótico, pegou uma inchada, e tentou bater nela, mas o pai se meteu e acabou levando a pior. Depois o “loco” (com todo respeito) saiu correndo pra um mato atrás da casa. Bom com receio que o autor, tivesse ido se matar, ligamos para a ambulância vir buscá-lo para medicar o dito cujo. E fomos atrás, os três policias e esposa do suspeito. Andamos um pouco, e achamos ele sentado, num tronco de arvore caído, com o olhar perdido, olhando pro nada, falando coisas desconexas. Tentamos um dialogo, mas ele só dizia, que não tinha medo de ninguém, que tinha um campo de força, e que ninguém podia tocar nele. Quando a esposa tentava falar era pior, ele gritava, xingava e pulava. Depois de um tempo a ambulância chegou e o jeito foi botar a mão no home. Cercamos o vivente, que continuava dizendo que não tinha medo de nós, que ele tinha um campo de força. E nisso ao nos aproximarmos, o loco deu um pulo pra cima do colega, e se grudou na pistola que estava em sua cintura, ainda no coldre. O colega pós a mão na arma para segurá-la, eu corri, mas antes que chegasse até o doido. Quebrou o campo de força! A brigadiana "deu-lhe" uma borrachada na orelha do maluco, que ele saiu rolando, feito cachorro que caiu do caminhão de mudança. O home caiu estirado no chão. Bom... Algemamos o xibungo, e o levamos pra ambulância. No caminho ficamos os três quietos, que nem guri cagado, pensando que se esse “loco” ficasse com alguma sequela da paulada, a coisa ia fede. Mas antes de chegar ao hospital, já medicado ele recobrou o juízo, e pediu desculpas, acho que a cacetada apertou os parafuso soltos dos doido. Tá certo que bate em maluco não é bonito, mas situações extremas, pedem atitudes extremas, afinal na campanha, onde só tem tu e tu mesmo, até mulher tem que virá macho, em certas ocasiões.

terça-feira, 16 de julho de 2013

Mata a cobra e mostra o saco


No interior maior parte do trabalho do policial é apartar brigas e rixas familiares. Pra eles tudo é caso de policia, é homem que vai anunciar na DP que sua mulher saiu de casa para morar com outro, acreditando existir ainda o abandono de lar. Na verdade apenas é uma boa forma de me avisar em primeira mão que é o mais novo corno da cidade. É gente brigando por limite de terras, pai querendo conselho para o filho, briga de casal, e etc. Mas teve um mês que uma família se desentendeu, e viviam na delegacia. Era a nora que não se dava com os sogros e vice versa. Moravam um de frente pro outro e não podiam se ver. Na família ninguém era flor que se cheirasse, todos suspeitos de pequenos furtos na região; além de outros registros como ameaças e até algumas lesões corporais. A nora essa era uma fera, e conhecida na localidade por já ter corrido muito marmanjo, que tentara se passar com ela. Qualquer coisa era motivo para puxar do facão e se fazer respeitar. E por isso se “provalecia”, desaforava a sogra, o sogro, batia no marido, e quem mais lhe desse na telha. E toda vez que via os sogros, os corria a estouros de facão. Mas a sogra também não era fácil, e depois de pegar certa distancia, xingava a nora e lhe enchia a pedradas. E cada encontro desses era um registro na delegacia, que no fim eram quase diários. A nora dizia que a sogra lhe chamava de vagabunda, suja, e etc. E a sogra também se queixava das ofensas e ameaças da nora. Até ai só chatice de policia do interior, até que um dia a nora veio na DP dizendo que a sogra havia colocado cobras em seu pátio, para matá-la, e queria providencias. Respondi que não tinha como confirmar o fato, até por que ela apenas suspeitava, e não tinha visto a velha fazer isto, pois sua casa era quase no meio do mato, num brejal, o que propiciava a existência de cobras no local. E expliquei também que para retirar as cobras só chamando o IBAMA ou algum órgão competente, e isso poderia demorar. A mulher não gostou de minha resposta e saiu da delegacia contrariada, rosnando. No outro dia me aparece á dita cuja novamente, com uma sacola na mão, e gritando: - Olha! Não precisa mais chama o IBAMA, não. Não entendi nada, até que a maluca, abre aquele saco fedorento e me mostra umas três cobras mortas. Putz! Essa era faca na bota, matava a cobra e mostrava o saco com as cobras mortas.

terça-feira, 18 de junho de 2013

Uma sexta-feira


Começa mais uma sexta-feira na cidade de pedra, e meu único desejo é que o dia passe o mais rápido possível, pois à tardinha finalmente após 15 longos dias posso ir para casa, ver minha família e amigos, já que pela cidade ser pequena, trabalhávamos no sistema de sobreaviso, que me forçava a ficar  sem ir para casa, as vezes até por um mês.
Pela manhã o único compromisso é cumprir um MBA (mandado de busca e apreensão) na casa de um receptador “chinelinho”, que é primo de um outro ladrãozinho que estamos de olho. Então como o efetivo é de apenas dois policias aqui na DP, vamos pedir apoio a nossos co-irmãos da brigada militar, coisa estranha para policiais de cidade maiores, pela antiga rixa entre as instituições, mas aqui, por incrível que pareça civil e brigada são quase uma coisa só, já cheguei a ficar sozinho um mês na DP e quem me ajudava a intimar e fazer qualquer serviço de rua eram os brigadianos.
Estamos chegando ao quartel da brigada, e aparece do nada a oficial de justiça, nos aborda dizendo que tem um mandado de prisão a cumprir. OK. Ela tem mais uma voltas para dar pelo interior, e combinamos de cumpri-lo à tarde. E lá vamos nós em duas viaturas cumprir o dito MBA, na casa dos chinelos.
A primeira casa: um cafofo de madeira, na beira da estrada, casa de interior é assim, quem conhece sabe, interior tem dessas coisas, estrada de terra, esburacadas e muito barro no inverno, mas tudo bem. Então estou eu a revirar o guarda-roupa do vago. Cuidando para que não se desmanche em minhas mãos, troço, velho, podre, fedido. Pego um saco e de dentro dele salta um rato, mas... Um rato criado. Vida de polícia tem dessas coisas, a gente acaba se acostumando. Ainda avistei uns dois ratos no meio das roupas mais aí já estava precavido, tirei todas aquelas roupas imundas de dentro do roupeiro, e não achamos nada, até que pego um saco de estopa e aí sim... Formigasss...  Milhões de formigas, e eu sem luvas! Um saco que era só formigas e uns panos brancos sujos dentro. Nessa casa não achamos nada, na outra, do irmão do chinelo, também não. A única coisa que achei foi uma Variant, pura ferrugem que o vago disse recém ter comprado, deve ter comprado no ferro velho só pode. Nem sempre se logra êxito neste tipo de diligência, mas sem tem uma próxima vez.
Desse MBA nada de especial, a única coisa que me ficou foi aquela imagem das formigas saindo do saco, com certeza iria sonhar com formigas naquela noite.
A tarde mais umas oitivas! Na quarta passada tinha ocorrido um furto mirabolante a banco, e essa oitiva foi a mais rápida, durou uma hora e meia, e eu já cansado, dia quente, e nem banho havia tomado, todo suado, enfim...
São cinco horas e eu só pensando em ir para casa, e quem chega?
A oficial de justiça! E eu que tinha dentista às 18 horas...
Combinamos tudo, e ela disse que iria na frente, ver se o cara estava em casa, e nos chamaria caso precisasse, não queria que ele visse as viaturas para não se assustar e fugir. Pegamos mais um brigadiano de reforço e vamos, a oficial de justiça de táxi. Chegamos na fazenda onde iriamos efetuar a prisão, a oficial vai na frente, e nós escondidos com a viatura atrás, e aí vem o taxista correndo e gritando:
- Ele tá fugindo! Ele tá fugindo!
Saímos em disparada o brigada voando na frente e eu atrás, sem saber para que lado. Não vimos pra onde o cara correu, só vejo a oficial dizendo:
- Ele me disse que ia pegar umas roupas e fugiu.
É fomos ingênuos achando que seria fácil, e no fim o sujeito se apavorou e fugiu.
O jeito é se virar em pernas. Me embrenho no mato fechado, atrás do fujão, com arma em punho, e pensando: “Será que esse cara correu pra pegar uma arma e esta nos esperando no meio das arvores?” A essa altura não adiantava pensar muito, era ir atrás ou deixar o mandando para outro dia. Mas não paramos pra pensar.
Já havia perdido o brigadiano de vista, minha colega fez a volta de carro, para ver se o sujeito saia para a estrada. E me vejo completamente sozinho, ainda bem que era policia novo, e o treinamento recebido na academia ainda estava fresco na mente.
Vou andando rápido com o peito acelerado, tentando controlar a ansiedade. Acaba o mato e tem um campo aberto e lá em frente, bem a frente, após um banhado um cara andando. Será o vago? Não sei... Não vi ele fugir, não sei como ele é (outro erro, não puxamos a foto do elemento antes de cumprir o MBA), vou me aproximando, ele me vê e começa a correr novamente, e eu sozinho, sem cobertura alguma, nessa situação não tinha outro jeito.
- Polícia parado!!!
Ao contrário do que ensinam na acadêmia de polícia, ele não parou! E agora?
Continuo correndo, me jogo feito um boi no banhado, eu de tênis novo,  fico com barro até o peito, coração na boca, saio do banhado, mais uma corrida de 500 metros (por isso é importante estar sempre bem preparado fisicamente) e alcanço o vago:
- Mão na cabeça, deita, deita!!
Novamente ele não acata as ordens, não quer deitar. E na cabeça só me vem... Estágio probatório... Estágio probatório.... Atirar realmente não seria uma boa opção, poderia me trazer muitos problemas.
Tento ficar calmo, controlar a raiva, desse infeliz ter me dado tanto trabalho, e digo que nada vai acontecer se ele se entregar. Até que ele diz:
- Eu me entrego.
- Então põem as mãos pra trás.
- Não vô por, to me entregando.
- Tenho que te algemar.
- Não vo por algema, vo na boa.
Aham... O cara fugiu, resistiu, só parou por que alcancei ele. Nada até agora tinha sido na boa, porque mudaria?
 - Vai andando.
Ele na frente e eu atrás, a uma distância segura, dedo fora do gatilho, e arma apontada a 45 º, mesmo assim com toda atenção, pois, se esse cara avança em mim não tenho outra opção se não atirar, se pega minha arma a coisa iria ficar feia. O cara é grande e gordo.
E via nos olhos dele que a única coisa que queria era um descuido meu. Com o celular na mão falou que queria ligar para o irmão, para ele chamar o advogado:
- Anda, anda... Tu ta folgando.
Nisso aparece o brigadiano, e ao me ver vem correndo se atira no banhado. E sem mais delongas agarra num braço do “xarope”, e eu o outro, e passa uma rasteira, e o vago cai com tudo de cara no barro, coisa mais linda!  E já caímos por cima dele, o imobilizando. Parece um porco chafurdando na lama, só vejo ele levantando tapado de barro. Aí finalmente se acalmou, o algemamos, e colocamos na viatura. É como diz o ditado, “amigo que é amigo, não é o que aparta a briga e sim aquele que já vem dando “voadera”!”
Depois disso, fazer exame de lesão, “um quadro” é “perambularmos” com o cara pelo centro da cidade, ele tapado de barro dos pés a cabeça “só com os óinho de fora”, parecendo uma “nega maluca”, pra fazer o tal exame.
Finalmente às 20 e 30 deixamos ele no presídio, e voltamos pra base, eu, minha colega e o brigadiano.
Apesar de extremamente cansado, e sujo dos pés a cabeça, valeu a pena, pois, fiz meu trabalho, mesmo sabendo que havia cometido vários erros, tem coisa que só se aprende na prática, mas pelo menos no final o que importa a maior recompensa é a consciência de ter feito tudo possível para cumprir minha função.



segunda-feira, 27 de maio de 2013

O bêbado que não era veado


No interior tem disso, muita gente vem tirar informação na delegacia. E como o nosso lema e servir e proteger, dentro do possível orientamos da melhor forma. Numa segunda pela manhã, dia que é só abrir a porta da DP, e cai gente pra dentro, pra contar das estripulias do final de semana, aparece Gutemberg (mais conhecido como Guto), um bebum de carteirinha, daqueles que não faz mal a ninguém mas andam sempre tronchos. Dizia ele: Seu delegado, quero tira uma informação com o senhor, dum causo que aconteceu. Não sou delegado, mas pra eles, qualquer um que trabalha na policia é delegado, enfim... Levei-o para uma sala reservada e pedi que contasse o tal causo. A sala se impregnou com aquele cheio forte de cachaça de alambique, fumo e sujeiras afins. Nada que já não estivesse acostumado, é o cheiro da campanha. Disse ele então, que domingo a tarde estava bebendo no bar da Odete, e conversando com seu amigo Tito, papo vai papo vem, a grana acabou e Tito perguntou se Gutemberg não tinha cachaça em casa, com a resposta positiva se foram a casa de Guto. Em lá estando, beberam mais um litro de purinha,  e Tito bebum feito Guto, pobre tal e qual, maltrapilho e sem dente idem, fez a seguinte proposta. Já que tavam só os dois ali, eram solteiros, não tinham muié, por que um não “favoceria” o outro. Favorece? Perguntou Guto. Sim, explicou Tito, que nem a gente se favorece das égua (o tal barranquear éguas, ou seja o ato sexual com o dito animal). Mas como assim disse Guto. Tito explicou. Eu me favoreço de ti e depois tu de mim. Guto achou estranho, isso nunca tinha lhe ocorrido, até por que o homoxessualismo é coisa pouco difundida aqui nessas bandas, no máximo tem uns “viadinhos campeiros”. Como já estava bastante embriagado, e ninguém ficaria sabendo mesmo, achou boa a ideia, enfim não tinha a perder, afinal pensava ele que buraco era buraco. Então ajoelhou na beira da cama como se fosse rezar (e talvez  fosse mesmo) e baixou as bermudas até os joelhos e Tito se favoreceu dele. Disse ele: Olha doutor, eu tava bêbado, mas lembro que doeu. Tito satisfeito ergueu as calças, e foi saindo. Guto afoito, querendo se favorecer também, disse. Agora é minha vez, agora é minha vez. Tito lhe olhou com olhar de estranheza e perguntou: - Que tu qué? – Ué, quero me favorece também. Tito respondeu com a cara mais deslavada do mundo: - Saí pra lá, tá loco, eu não sô viado. E saiu virando as costas. Infelizmente para Guto como o ato foi consentido, nada se podia fazer. Nessa o pobre coitado ficou na mão, e acabou descobrindo que favor não é obrigação

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O Grande Maças.


A polícia como tudo na vida tem coisas boas e ruins, mas normalmente as boas são muitos boas e as ruins péssimas, dia a dia nos damos de cara com a miséria humana. Como digo, dentro de uma delegacia dificilmente vai se encontrar gente alegre, sorridente e cheirosa. Nossa clientela são os desassistidos pela sociedade. Mas apesar de tudo, como dizia um instrutor da acadêmia de polícia, a policia é uma cachaça, depois de um tempo vira vício. E a gente acaba conhecendo colegas que dignificam esta profissão. Felizmente tive sorte de trabalhar com pessoas boas, e um que outro excepcional, e dentre estes “O Grande Maças”. Foi num reforço destes, que se faz para ganhar uns trocados a mais. Eram três meses para lidar com homicídios “encravados”, coisa não resolvida de dez anos atrás, aquele tipo de caso que demanda tempo e muita paciência, o que normalmente em uma cidade grande é difícil de encontrar. A maioria dos casos eram disputas do tráfico, troca de tiros em via publica, coisas que não motivam muito policia a investigar. A maior parte sem suspeitos e em alguns casos nem a vitima tinha sido identificada. Eramos uma equipe de 6, todos policias velhos, e eu nem tão velho assim com 4 anos de casa, e com experiencia de cidade pequena, com 1 homicídio por ano, tinha pela frente uma carga de inquéritos que daria uns 10 anos de trabalho na minha delegacia. Realmente fiz boas amizades, e depois do primeiro mês, iam trocar dois colegas, e viria um tal de Maças, que diziam ser especialista naquele tipo de caso, um sujeito fuçador diziam os colegas. O Maças era um véinho, baixinho, estilo boa praça de fala mansa, inquieto e de risada fácil. Aquele era o famoso Maças. Gente buena como se diz lá pras banda de Bagé. Nos dias de trabalho junto com outros colegas aprendi muito, e ouvi muitas histórias, e principalmente observava o Maças, o que era impressionante como ver um truque de mágica. Ficávamos admirados, ele com aquela fala mansa, chamando as mulheres de “vizinha”, falando em resolver uma “bronquinha”, tratando os piores crimes como coisa normal da vida. Ganhava a simpatia das vitimas, e por incrível que pareça até dos acusados. Acabava enrolando as criaturas, que acabavam falando, como que num passe de mágica. Coisa difícil nessa profissão é fazer alguém falar, quase ninguém mais tem medo de policia. Mentem na nossa fuça, com a maior cara de pau, amparados pelos nobres advogados e todo tipo de dispositivo legal o e imoral para proteger “meliante”, vai da perspicácia de cada um tirar o serviço da parte. E nisso o Maças era craque, não sei como, mas quase sempre ele conseguia o que queria. E dizia ele: “Olha nunca precisei bater em ninguém pra conseguir uma informação”. Isso contrariando aqueles que acham que vagabundo só fala abaixo de pau. E assim foi um caso, em que um usuário de crack foi encontrado morto em casa, deitado no sofá com uma facada no peito. A mulher chamou a policia, e disse que encontrou ele assim. Caso antigo, de uns 7 anos atrás, varias pessoas foram ouvidas na época e não se chegou a lugar nenhum. E assim o Maças foi ouvindo a família da vítima, ouviu todo mundo, uns 10 disseram pouco saber além da versão da viúva, que a vitima estava em um bar, chegou esfaqueado em casa, e morreu no sofá. O Maçãs conseguiu identificar e ouvir uns 5 bebuns que estavam no bar no dia do crime, imagina tanto tempo depois, coisa difícil, fuçou e achou. Ouviu uma historia de que a filha de 4 anos do cara, tinha dito a uma da conselheira tutelar na época, que a mamãe fez dodói no papai. Bom aí ele já sabia, que a mulher que tinha matado o cara, mas como provar isso sem testemunhas? O testemunho de uma criança de 4 anos, não ia ajudar muito. Ele foi atrás da conselheira, que já estava, trabalhando em outro lugar, foi difícil achar, mas acabou confirmando a historia. Mas aí seria a palavra dela contra a da suspeita, pois improvável que a criança confirmasse a versão. O Maças então foi atrás da família da Marilu (suspeita). Ouviu a mãe dela que disse também ter ouvido aquela historia, e que a filha era coisa ruim, e até tinha posto fogo na casa com a filha dentro, pra que ela não contasse o que viu a polícia. Matou o marido e depois tentou matar a filha pondo fogo na casa, “ realmente uma santa essa Marilu”. Mas claro que eram só boatos, nada concreto. Então o velho Maças foi dar sua ultima cartada, na verdade ele só tinha “disse que disse”, ninguém viu o fato, apesar das circunstancia apontarem Marilu como autora, nada provava. Chamou a Marilu, uma negra retinta, com cara de espantalho, quando vi aquela mulher esperando no corredor até levei um susto, parecia uma entidade. Toda pretinha, com os olhos arregalados e cabelo rastafári, uma figura marcante. Maças a chama pra oitiva: - Oi Vizinha, pode passa. E começa ele com aquele papinho mole, Marilu durona, dizendo não saber de nada. E assim ele foi. Vizinha eu sei que ele lhe batia, era usuário de crack, tinha varias passagens pela policia. E ela concorda, dizendo que ele lhe batia, xingava, batia nos filhos, não prestava. É vizinha eu sei dizia ele. A senhora deve ter sofrido muito na mão desse homem, mas naquele dia ele lhe bateu? Ela disse que sim: - Antes de sair para o bar, ele me bateu. Bom... Vizinha então eu sei o que aconteceu, mas a senhora pode ficar tranquila, isso é coisa velha, não vai dar em nada, só to lhe ouvindo pra arquiva o caso, a senhora pode fica despreocupada, não vai acontece nada com a senhora. E Marilu, parece se tranquilizar. Vizinha, sei que ele estava drogado, lhe bateu, a senhora foi se defender, e acabou acontecendo o pior, a senhora se apavorou e disse que ele tinha chegado ferido da rua, mas foi a senhora que meteu a faca nele não foi? A mulher arregalou aqueles grandes olhos, naquela cara preta, e engoliu seco. Maças repetiu a conversa, e a mulher foi se abrindo, e por fim disse: - É ele me bateu, chegou em casa com a faca, em ameaço, e eu peguei a faca pra me defende e acabei acertando ele. No final satisfeito Maças da adeus a “vizinha” diz pra ficar tranquila, e que vá com deus. Ela sai da sala aliviada, como que se tivesse confessado seu grande pecado a um padre. Quando Marilu some do corredor, o Maças volta para sala dando risada, diz que sabia que era ela, e sentencia:- Essa vai pega uns 10 anos com certeza. Um golpe de sorte? Talvez. Mas ser excepcional é fazer da sorte seu oficio. Esse foi um dos vários casos que tive o privilégio ver esse mestre solucionar, além de ouvir outros tantos contados por ele, e por colegas que o conhecem. Forte abraço, grande amigo.

segunda-feira, 25 de março de 2013

O Escafedido



Segunda mal abrimos a porta da delegacia e a “clientela” vai despencando pra dentro (segunda é sempre assim). Eis que chegam três mulheres chorando, aflitas, relatando que o marido de uma delas desapareceu. Saiu para pescar na sexta-feira, e sumiu, abandonando sua carroça e cavalo; num acampamento próximo ao rio; na carroça todos seus documentos e mais alguns objetos; além de seu barco que ficou desamarrado encostado em um barranco. Pensamos: “se afogo o vivente”. Mais que de pressa se vamos ao resgate do sumido. Fizemos o contato com a PM local cientificando do fato, e nos largamos para as barrancas do rio, os três policias da DP, os dois únicos PMs que estão de serviço, junto com mais uns amigos do escafedido.
Os PMs ficaram em terra firme, aguardando a chegada da equipe dos bombeiros que viria da capital. Enquanto subimos de barco a motor aquelas águas barrentas, para ver se o CADAVER não estava boiando por ali. Nós sem nenhuma técnica especial para esse tipo de resgate, mais o pescador “motorista” do barco, vasculhando o rio na raça e na coragem. Apesar da aflição pela eminência de darmos de cara com um morto flutuante, era ótima a sensação do vento no rosto e a visão do rio repleto de curvas sinuosas e galhos boiando.
Descemos do barco e enfiamos a cara na mata fechada; muita vegetação e muito barro; me atolo até a cintura no meio do charco. Pior que pra nada, nem rastro do desaparecido. Segunda foi isso, muitas buscas, nós, a PM, os populares mas nem sinal do “homi”, já achávamos que estava morto preso a alguma vegetação no fundo do rio.
Os bombeiros chegaram quando já estava anoitecendo, efetuaram algumas buscas, mas a noite era muito perigoso, e jeito foi continuar no dia seguinte. Na terça-feira, ficamos na DP, agora a bronca era dos bombeiros. Esgravataram o rio com ganchos, para ver se se pescavam o corpo, mas da água só tiraram galhos. Nem sinal do desaparecido.
Quando já havíamos perdido as esperanças, recebemos uma ligação, informando que haviam avistado um homem a feição do sumido, na ponte de acesso a cidade. Pegamos a VTR e vamos ao resgate. Será que daríamos tanta sorte de achar o morto, vivo? Chegamos ao local, e ei-lo lá!
Todo sujo, faminto, estropiado, cansado, e louco de sede, sentado na ponte com uma sacola a seu lado. O abordamos; o pobre mal tinha forças para falar. E ao olhar na sacola qual não foi nossa surpresa, ao ver um rabo de tatu saltando para fora. Caça de animal silvestre é crime, tá na lei. Na DP, viemos a saber da verdade, o sumido, passou o final de semana caçando no mato, e quando estava voltando pro acampamento viu as viaturas, e achou que ia ser preso, por crime ambiental, e se foi “a la cria”, se perdendo na mata fechada.
Aí murchou os “balão” da festa. A esposa que estava toda faceira ao ver o finado vivo, desarmou o sorriso, ao ter que pagar a fiança. E daí sim quis matá-lo. E o escafedido, que estava fazendo arte, ao ser salvo foi autuado. E disso tudo ficou o legado, de não ir atrás de todo choro de viuvá, e que nem todo desaparecido é coitado.



quinta-feira, 14 de março de 2013

Partido ao meio


Tarde de uma quarta-feira qualquer, e a vizinha da delegacia pergunta, se sabíamos da mulher que havia sido partida ao meio por uma motosserra. Achei estranho, pois, ninguém havia nos avisado do fato. Ligamos para o hospital local e informaram que uma senhora, deu entrada cortada por uma motosserra. Falha do hospital que não avisou da ocorrência, mas tudo bem, fomos ver do que se tratava. Em la chegando fomos ao quarto onde estava a vítima. Visão das piores, a mulher já falecida, com um corte imenso, do ombro ao peito. Fora dilacerada. Imagem difícil de digerir, uma mulher de 50 anos, mãe de família, 3 filhos, ali nua, sem vida, deitada com os pudores amostra, numa maca fria de hospital. Ok. Tudo bem, fingi que aquilo era normal, afinal sou polícia. Impossível achar isso normal. Morrer assim serrado, coisa de filme macabro. Não me senti confortável com a situação, não sei se pela nudez da senhora, ou pela tristeza da cena. Apesar de não ter maiores problemas com casos de morte, é claro que de inicio tonteia, atordoa, choca, mas depois que passa o choque, fico elétrico não sei o porquê. Mas como isso? Perguntei à enfermeira. Respondeu que ela caiu sobre a motosserra. O irmão estava cortando lenha, e ela tropeçou e caiu. Que fatalidade! Jeito fútil de morrer. Deixamos a vítima descansar em paz e fomos atrás do irmão. Simplesmente inconsolável. A família toda na verdade. Entre lagrimas o cidadão contou que estava cortando umas ripas no chão, e as escorava com um tijolo e cortava, para construir a casa da Irmã, e ela em volta varrendo, até que prendeu o chinelo em um buraco e caiu sobre a motosserra ligada. Imaginei a cena. O corpo dela caindo lentamente, o irmão a olhando, sem nada poder fazer, com a motosserra acelerada nas mãos. Aquele sangue todo. O sabre rasgando tecidos e ossos. E pior os filhos estavam próximos, e viram tudo. Que dizer? Fiz meu trabalho, levantei o local, tirei foto, vi muito sangue no chão, nas paredes, o chinelo da mulher ainda lá. O marido chorando, as crianças. Enfim... Deixou o marido, três filhos, e o irmão traumatizados. Coitado, ser assassino assim, sem pretender sê-lo. Que culpa. Que drama. Fiz o inquérito, ouvi todo mundo. E após tudo passado partido ao meio fiquei eu.

Autor:FSantanna

Abraço de morto


Mais um domingo de sobreaviso, e eu tendo que ficar mais uma vez preso no interior, a 200 km dos braços de minha amada o que fazia cada plantão um martírio. Ainda bem que já estava quase acabando já eram umas 6 horas da tarde do domingo. Eis que o telefone toca. É a policia militar avisando que houve um suicídio no interior. E lá vou eu e um colega verificar o fato. Muita poeira, pedras, sobe e desce morro e chegamos. Um Fundão, e já na porteira o dono bastante nervoso, vai nos apontando um mato no fundo da casa, onde esta o corpo. Se tratava de um velho caboclo, de 60 anos, meio tantã da caxola, que tinha o costume de subir em arvores e pular de galho em galho feito macaco. Minha mente viajou nesta imagem, e já vi o velhinho pulando faceiro entre os galhos, fazendo piruetas e malabarismos. Entrando no mato, havia um córrego de águas límpidas, e uma caverna. Belo lugar. E logo em frente, dois caipiras com a mão na cintura. Perguntamos onde estava o cadáver e nos apontaram para o alto. O taura estava pendurado pelo pescoço em uma arvore a uns 4 metros do chão. Pelo jeito era verdadeiro o hábito arborícola do caboclo. De duas uma, ou realmente quis de suicidar, ou em uma de suas piruetas mirabolantes acabou se atrapalhando e encaixou o pescoço em uma arvore em forma de “furquia” (segundo disse um dos caipiras). Realmente a arvore era uma forquilha perfeita, parecia um imenso botoque, e o caboclo com o pescoço preso nela, e suas pernas dependuradas. E agora com tirar esse índio de lá? Era muito alto, não tinha como puxá-lo, o jeito foi cortar a arvore.  Logo apareceu outro caipira com uma motosserra e pos-se a serrar, e eu segurando o tronco para não despencar, depois o corpo do caboclo. Eis que num soco a arvore cedeu, e o corpo caiu por cima de mim, e o defundo me abraçou, virando o rosto bem de frente para o meu, me fitando nos olhos. Ficamos cara a cara, e me vi abraçado num corpo pútrido, com varejeiras no nariz, tapado de formigas pelo corpo, exalando um insuportavel mau cheiro. Troço ruim vou lhe dizer, abraço de defundo não é nada agradável. Era bem melhor admira-lo lá debaixo. Não senti nojo, mas realmente era uma situação ruim, tão ruim, que o dono da fazenda que estava a observar a função, foi vomitar no córrego. É passou mal o vivente. Realmente o cheiro não era bom. Com ajuda baixamos a arvore e pomos o corpo no chão. Estava ali a mais de dia, com as moscas o rondando. E assim se foi o trapezistas das arvores, não pude vê-lo em ação infelizmente, mas pelo menos recebi um abraço de despedia, abraço de morto, mas mesmo assim um abraço sincero.

Autor: FSantanna

Galinha Estragada


Policia novo em uma cidade do interior, recém vindo da capital, mal fazia ideia de quantas tetas tinha uma vaca, e dos costumes campeiros nada sabia. Até que um belo dia entra na delegacia uma senhorinha, maltrapilha, com as vestes sujas de terra, e o rosto muito enrugado. Pergunto: - Em que posso ajudá-la. E me diz que queria fazer um ciente. Perguntei sobre o que se tratava. E respondeu que haviam roubado sua única galinha. - Ah, então foi um furto. A senhora viu o ladrão? – Não vi, não. Mas é que minha galinha tava velha, e vertendo uma aguinha em baixo. Não entendi bem o que tinha a ver, a galinha estar doente com o delito. E ela respondeu preocupada: - É que quero avisa, pra não comerem ela, se não podem passar mal. Não da pra anuncia na rádio? Pobre senhora, com pena que o vagabundo que lhe furtou a galinha, viesse a passar mal. A preocupação dela não era com seu prejuízo e sim com o ladrão. Tentei acalmá-la dizendo que anunciaria na rádio, e que pudesse ir tranqüila, e a senhorinha assim saiu da delegacia, com a alma aliviada. Não fiz o anuncio, tão pouco o registro, e muito menos o ladrão apareceu reclamando da galinha estragada.

Autor: FSantanna