quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Coisas de Antigão


Rir dos próprios erros é sinal de sabedoria. Acredito que apenas o sábio consegue rir de seus erros, pois, o tolo faz de tudo para que ninguém descubra suas cagadas.
Na época eu estava em estágio em uma delegacia da capital, e como estagiário vivia me cuidando pra não dar mancadas, e também como todo estagiário vivia as dando. Tomava uma oitiva e esquecia de mudar o cabeçalho e imprimia com o nome da vítima errado, ou trocava vitima por acusado; fazia mandado de intimação com endereço errado, e toda aquela gama de bobagens que a gente faz quando esta aprendendo.
A DP era grande tinha uns 30 policiais, a maioria policia velho, de barba branca, ou cabelo branco, isso quando tinham cabelo. E dentre essas peças raras todas, tinham três que se destacavam. O primeiro era uma moreninho com cara de índio de uns 50 anos, que passava o dia ligando pras “informantes”, mas foi o único que eu vi até hoje que chamava informante de “meu anjo”, e queria marca encontro com elas a noite, e persistente o home, levava um fora duma, já ligava pra outra. O outro policia também com lá seus 50, era alto e magro, calvo no meio, e com cabelo encaracolado nas laterais, era o chefe da investigação. E o terceiro, um ruivo alto (meio ruivo, meio grisalho), com bigodão, e um .38 com quase dois palmos de cano; parecendo o Eufrazino do Pernalonga. Uma trinca de respeito realmente, e um mais arriado que o outro.
E assim entram aqueles três policias velhos, dando gaitadas dentro do setor de investigação da delegacia. Como era óbvio todo mundo parou o que estava fazendo e lá se foram ver o que tinham aprontado.
O chefe da investigação quase sem conseguir falar direito de tanto rir começou a contar as proezas:
“Chegamos na vila pra cumprir busca na boca de fumo, os caras mal nos viram e começou a sai gente correndo pra todo lado, e aí cercamos a casa, e eu vi que um quis sai pela frente e voltou, daí fui pros fundos, e dei de cara com ele, apontei a arma pra ele e disse:- Aham... Te peguei! (vê se isso é coisa que um policial diga? No treinamento nos ensinam exaustivamente a dizer “policia parado”, ou no mínimo “tu ta preso”, mas, “Aham.. te peguei!” É coisa de brincadeira de criança e não pra um policial barbado dizer, e pior ou melhor, contava isso dando gaitadas, na presença até do delegado)”.
Depois foi o Eufrazino, que viu um vagabundo pulando o muro e entrando numa casa. Fez a volta e deu pezaço na porta da frente do barraco, deixando aos pulos a mulher que estava na sala com uma criança no colo, invadiu a casa com seu trabuco de dois palmos de cano, e viu um cara parecido com o vago, na cozinha de costas em frente à geladeira aberta, como se fosse fazer um lanche. Daí ele deu um tapinha nas costas do camarada e disse: - E ai?
- Ué to fazendo um lanche, ta servido?
Então ele olhou pros pés do cidadão, cheios de barro, e deu a voz de prisão:- Ta preso vagabundo!
Todo embarrado da fuga, e tem a cara de pau de oferecer lanchinho pro policia, cada um que aparece...
E pra completar o moreninho metido a galã, saiu correndo atrás de outro no meio de um banhadal, gritando:- parado, se não eu atiro! Aí sim que o vago virou em pernas. Daí ele mirou bem, e apertou o gatilho, e o revolver “Tec, Tec, Tec”. Não saiu viva bala daquele cano. Negou fogo. Não deu um tirinho sequer. E nisto os outros dois já estavam vendo tudo, e caíram na risada. E voltou ele com o .38 na mão, todo cabisbaixo. E na delegacia o delegado perguntou que tinha acontecido com o revolver dele, e ele deu de ombros dizendo:- mas eu não sei... Mostrando aquela relíquia da 2ª guerra, toda enferrujada. Era certo que um troço naquele estado de conservação não tinha condições de ferir ninguém, no máximo matar de tétano.
E assim foi... O que para muitos seria motivo de vergonha, pra eles era motivo de risada, e ninguém os achou menos policia por causa disso, muito menos o delegado que os mantinha em alta estima, pois se não eram um primor de técnica, pelo menos agitavam a delegacia.