quarta-feira, 3 de dezembro de 2014

Entrando no bororé


Por mais experiência que se tenha, nunca se esta imune a surpresas.  E este foi o caso. Entra um cidadão querendo fazer um registro, de “roubo” (sempre que dizem roubo, pelo menos em cidade pequena se trata de um furto), sua sacola contendo sua carteira e vários pertences, tinha sido subtraída. 
Durante o registro de ocorrência, nada de anormal. Dizia ele, que estava trabalhando construindo um muro na rua X, e havia deixado sua bolsa com seus pertences pendurada do outro lado da rua, e que viu três gaúchos passando a cavalo. E  assim que os cavaleiros passaram, percebeu que sua bolsa sumiu, e viu ao longe um dos cavaleiros levando a bolsa dependurada. E o homem dizia aquilo com a maior convicção do mundo. 
Sem perder tempo convidei um colega e saímos com o “se dizente” vitima pelas ruas da cidade, para ver se localizávamos os suspeitos. Passando por um rapaz que estava na rua, a vítima o apontou dizendo que aquele ali tinha visto os cavaleiros. Perguntamos ao jovem e  ele confirmou ter visto três cavaleiros descendo na direção do rio. E lá se fomos, o mais rápido possível, e a vítima quieta e ansiosa, e nos entusiasmados em pegar os bandidos. 
Chegamos na beira do rio e não havia nenhum rastro de cavalo, e retornamos esperando mais alguma pista. E na viatura começa o vítima, a me chamar de “Jeferson”, nome nada parecido com o meu.  Falar coisas desconexas, e eu e meu colega nos olhando, com aquele expressão: “Esse é treze!” (treze entre os policias =  maluco). E o cara cantando dentro da viatura: “Lá vem o Rio Grande a cavalo, entrando no bororé”. Putz! Só que faltava. 
Chegando na DP, estavam a mãe e o pai do “se dizente” vitima, desesperados, dizendo que ele havia fugido do hospício, e estava desaparecido a três dias. É... Delegacia é para raio de maluco mesmo, pelo menos esse não era agressivo, se não quem teria entrado no bororé eramos nós. Menos mal que entregamos o maluco para a família. Enfim se o que ele queria era dar uma volta de viatura, conseguiu. 

autor:FSantAnna

quinta-feira, 23 de outubro de 2014

Coisas de Antigão


Rir dos próprios erros é sinal de sabedoria. Acredito que apenas o sábio consegue rir de seus erros, pois, o tolo faz de tudo para que ninguém descubra suas cagadas.
Na época eu estava em estágio em uma delegacia da capital, e como estagiário vivia me cuidando pra não dar mancadas, e também como todo estagiário vivia as dando. Tomava uma oitiva e esquecia de mudar o cabeçalho e imprimia com o nome da vítima errado, ou trocava vitima por acusado; fazia mandado de intimação com endereço errado, e toda aquela gama de bobagens que a gente faz quando esta aprendendo.
A DP era grande tinha uns 30 policiais, a maioria policia velho, de barba branca, ou cabelo branco, isso quando tinham cabelo. E dentre essas peças raras todas, tinham três que se destacavam. O primeiro era uma moreninho com cara de índio de uns 50 anos, que passava o dia ligando pras “informantes”, mas foi o único que eu vi até hoje que chamava informante de “meu anjo”, e queria marca encontro com elas a noite, e persistente o home, levava um fora duma, já ligava pra outra. O outro policia também com lá seus 50, era alto e magro, calvo no meio, e com cabelo encaracolado nas laterais, era o chefe da investigação. E o terceiro, um ruivo alto (meio ruivo, meio grisalho), com bigodão, e um .38 com quase dois palmos de cano; parecendo o Eufrazino do Pernalonga. Uma trinca de respeito realmente, e um mais arriado que o outro.
E assim entram aqueles três policias velhos, dando gaitadas dentro do setor de investigação da delegacia. Como era óbvio todo mundo parou o que estava fazendo e lá se foram ver o que tinham aprontado.
O chefe da investigação quase sem conseguir falar direito de tanto rir começou a contar as proezas:
“Chegamos na vila pra cumprir busca na boca de fumo, os caras mal nos viram e começou a sai gente correndo pra todo lado, e aí cercamos a casa, e eu vi que um quis sai pela frente e voltou, daí fui pros fundos, e dei de cara com ele, apontei a arma pra ele e disse:- Aham... Te peguei! (vê se isso é coisa que um policial diga? No treinamento nos ensinam exaustivamente a dizer “policia parado”, ou no mínimo “tu ta preso”, mas, “Aham.. te peguei!” É coisa de brincadeira de criança e não pra um policial barbado dizer, e pior ou melhor, contava isso dando gaitadas, na presença até do delegado)”.
Depois foi o Eufrazino, que viu um vagabundo pulando o muro e entrando numa casa. Fez a volta e deu pezaço na porta da frente do barraco, deixando aos pulos a mulher que estava na sala com uma criança no colo, invadiu a casa com seu trabuco de dois palmos de cano, e viu um cara parecido com o vago, na cozinha de costas em frente à geladeira aberta, como se fosse fazer um lanche. Daí ele deu um tapinha nas costas do camarada e disse: - E ai?
- Ué to fazendo um lanche, ta servido?
Então ele olhou pros pés do cidadão, cheios de barro, e deu a voz de prisão:- Ta preso vagabundo!
Todo embarrado da fuga, e tem a cara de pau de oferecer lanchinho pro policia, cada um que aparece...
E pra completar o moreninho metido a galã, saiu correndo atrás de outro no meio de um banhadal, gritando:- parado, se não eu atiro! Aí sim que o vago virou em pernas. Daí ele mirou bem, e apertou o gatilho, e o revolver “Tec, Tec, Tec”. Não saiu viva bala daquele cano. Negou fogo. Não deu um tirinho sequer. E nisto os outros dois já estavam vendo tudo, e caíram na risada. E voltou ele com o .38 na mão, todo cabisbaixo. E na delegacia o delegado perguntou que tinha acontecido com o revolver dele, e ele deu de ombros dizendo:- mas eu não sei... Mostrando aquela relíquia da 2ª guerra, toda enferrujada. Era certo que um troço naquele estado de conservação não tinha condições de ferir ninguém, no máximo matar de tétano.
E assim foi... O que para muitos seria motivo de vergonha, pra eles era motivo de risada, e ninguém os achou menos policia por causa disso, muito menos o delegado que os mantinha em alta estima, pois se não eram um primor de técnica, pelo menos agitavam a delegacia.


quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Bicho homem


Essa é mais uma história ouvida entre as paredes das delegacias. Nunca gostei muito de estorias policiais, mas no bate-papo com os colegas de profissão, a gente ouve cada uma, que nem o melhor romance de Agatha Christie seria capaz de reproduzir. È esta historia não escrita da policia, feita do dia a dia do policia comum, que eu acho realmente fascinante, e não aquelas besteiras de Hollywood.
Esta me foi contada pelo colega VWD, numa dessas delegacias pequenas de nosso longínquo interior. Profissional seríssimo, bem diferente de muitos fanfarrões que gostam de contar com galhardia, qualquer feito desde o menor como se fosse um ato de bravura homérico. Acabou me contando ao acaso, enquanto nos deslocávamos para  atender uma outra ocorrência de homicídio.
Disse ele que a algum tempo atrás atendeu uma ligação, de que numa localidade rural, bem afastada, haviam encontrado um feto, jogado no meio do chiqueiro dos porcos. Sim! Um bebe recém-nascido, atirado sem vida no meio do chiqueiro dos porcos. Coisa ruim de imaginar... Mesmo para quem convive nesse meio. E lá se foi VW, ele mais outro, até a tal localidade.
Em la chegando, estava o capataz da propriedade que morava em um casebre de madeira, com mais 5 filhos e a esposa, em estado de choque, gaguejando, e puxando o policia pelo braço, para mostrar onde o corpo estava. Então na cerca do chiqueiro, o policial já avistou algo coberto de lodo, parecendo uma boneca. Ao entrar e se aproximar, não teve mais como confundir, era uma criança, recém-nascida,  com diversos ferimentos, e já sem vida.
O local foi isolado, os levantamentos devidamente feitos, e constatou-se que era um menino, e havia sido gravemente agredido, possuía dois cortes profundos na jugular, e outros hematomas diversos, e um grande na cabeça. Quem poderia ter feito aquilo? A casa mais próxima era a do capataz, as mulheres da casa eram sua mulher, uma bugra de uns 40 anos, e 3 filhas, umas de 15, outra de 13, e uma pequena de 7. A casa mais próxima dali ficava a mais de quilometro.
Foi coletado material, e levado para analise de DNA, mas como a realidade do Brasil, em nada ter haver com SCI, o exame levaria mais de mês para ter resposta.
O delegado e os policiais, quebravam a cabeça para entender como aquele bebe  tinha parado ali, pois, segundo os primeiros relatos da família, nenhuma das meninas estava gravida, mal saiam de casa, não tinham namorado, e outras mulheres não frequentavam a casa.
Vizinhos foram ouvidos, mas nada sabiam, apenas que a família era bastante reservada, mas nenhum fato que levantasse suspeitas.
O pai um pobre coitado, tinha quarenta anos com aparência de 60, semi-analfa, mal sabia falar. Muito nervoso, chocado coma situação, nada sabia, até achava ser coisa do diabo aquilo ali.
A mãe, também nada sabia, disse não estar gravida, e não ter nenhum motivo para abortar se estivesse, pois já tinha 5, um a mais ou a menos não faria diferença, e não acreditava que nenhuma das filhas estivesse, pois, não tinham contato com outros homens fora da família e não apresentaram nenhum sinal de gravidez.
A filha mais velha, gordinha, com cara de criança assustada, jurava nada saber, e ao ser “apertada” pelo delegado chorou.
A mais novinha, bem magrinha, parecia ter algum problema mental, pois, quase não falava, apenas balbuciava, e tinha que ser perguntada aos gritos. Estava empacada e também negou ser a mãe da criança.
Os dois meninos das família o de 16 e o de 10, nada disseram que se aproveitasse.
Um beco sem saída a principio, o jeito foi mandar as mulheres a exame. O que dava para pensar era que o pai poderia ter abusado de uma das filhas, e a gravidez ter sido escondida, com a conivência da mãe, ou ela mesma podia ter abortado a criança. Só o exame poderia dar alguma pista, já que uma mulher estranha a casa, ter invadido o chiqueiro e deixado o feto lá, seria muito difícil, sem que a família visse, só se fosse uma prima ou vizinha.
As mulheres tiveram que ir pra capital fazer exames, até marcar condução, e ficarem prontos os exames levou mais de semana. E quando vieram foi uma grande surpresa. A mãe não estava descartada, pois ainda era fértil;  a magrinha ninguém achava que fosse, muito pequeninha, e com apenas 13 anos; a gordinha de 15, era a mais forte suspeita, pois, seria mais fácil esconder a barriga. É mas os exames não deixaram duvidas. Era a de 13 anos, a mais magrinha, os exames comprovaram que havia parido a pouco.
A surpresa foi geral, até do delegado. Agora era saber as circunstancias.
A menina foi chamada novamente, e agora com os exames em mãos, tinha que desembuchar. A oitiva foi difícil, a menina era travada, “dava vontade de bater, pra ver se pegava no tranco”, dizia o colega. Mas até que foi, ela admitiu estar gravida, e por medo do que o pai iria fazer com ela, escondeu a gravidez, atava a barriga com trapos, e quando sentiu que iria parir, pegou uma faca e foi no meio do chiqueiro, e deu a luz, sozinha, sem conhecimento de ninguém. Não sabia o que fazer com a criança, então deu duas facadas no pescoço, e depois bateu com a cabeça do bebe contra uma pedra, e tentou esconder  no meio do barro.
Incrível imaginar que uma menina de 13 anos fosse capaz de uma coisa dessas.
E quem era o pai?
O irmão de 16 era o pai.
Fácil imaginar, ao pensar que dormiam os 5 filhos amontados em colchões atirados no chão do mesmo quarto.
Na necropsia do bebe, ainda ficou demonstrado que o que matou não foram as facadas, e sim as batidas da cabeça da criança na pedra.
A menina foi internada da CASE por alguns anos, e hoje esta casada e já tem outros filhos, como se nada tivesse acontecido.
Criados feito bicho, dormindo amontoados, vivendo por extinto. E aí eu penso, isso é o bicho humano? Horas homem, horas bicho.

quinta-feira, 3 de julho de 2014

Causos de Novato.


Atualmente vivemos no tempo da técnica, da tecnologia e da seriedade, onde o trabalho policial frente a crescente criminalidade, não pode deixar furo. O policia não pode se dar ao luxo de errar, e muito menos dar uma de engraçadinho, pois, a mídia tá aí. Um dia perguntei para um conhecido que trabalhada com jornalismo, porque eles adoravam tanto uma delegacia, e ele me respondeu que era simples. A função deles é “vender noticia”, então tem que dar a máxima enfase a tragédia, sangue na capa do jornal sempre vendeu. E como nosso metiê é a desgraça humana, estamos sempre no caminho da noticia. E se bobear, viramos noticia, mas é obvio que policial resolver caso é corriqueiro não chama atenção, pois, afinal somos pagos pra isso, mas se o policia vacilar, tá la ele no jornal, na radio e respondendo todo tipo de “bronca”.
E pior ainda quando se é novato, pois recém saído da academia enfrenta um grande rito de passagem. Onde o inicio da atuação policial, pode definir como será sua vida funcional dali pra diante, dependendo de em qual delegacia cai, com que colegas, e claro de nossas atitudes, pois por incrível que pareça ainda hoje tem muita gente que vira policial pra dar “tapa na cara de vagabundo”, andar exibindo a pistola pendurada na cintura, e tirar vantagem “da farda”, como se o simples fato de servir a lei transformasse alguém em “super-homem”. Sempre ouvi falar que  as maiores armas do policia são a técnica e o bom senso, do contrario só pode contar com a sorte.
E assim acontece cada uma... Eu mesmo quando novato, peguei um plantão nas quatro noites de carnaval em uma cidade pequena, e já que o promotor tinha me mandado botar ordem no negócio, fui pra rua, fiscalizar a festança, e até o baile da cidadezinha parei, pra tirar os menores que  estavam ali desacompanhados. OK. Era minha função, mas na verdade a única coisa que consegui foi pagar mico. Ir no micro-fone na frente de umas 2000 pessoas, mandar o baile parar. Me senti o otário da festa. Tá certo que a lei é pra ser cumprida, mas bom sendo e canja de galinha, não fazem mal a ninguém como dizia o bom e velho Jorge Benjor (se não quer te encrencar não procura encrenca). Lhes garanto que esta não é a melhor forma de fazer a social quando se é novo na cidade.
Outra triste foi  a do colega, que todo cheio de si foi dar uma “batida” num “putero” atrás de uns foragidos, e como ninguém o estava obedecendo e indo pra parede com ele queria, saiu dando tiro de .12, dentro do muquifo, detonando com o lustre da baiuca. Só não se enrolou feio, porque a dona do brega, tinha menores no recinto e não quis se incomodar.
Quando se faz assim, ou da merda ou no minimo a gente passa vergonha, como o colega que foi entrar pela janela da casa. Ele era baixinho e magro, daí dois veteras tiveram a excelente ideia de jogá-lo pra dentro pela janela da casa e assim foi. Acabou caindo em cima da pia da cozinha, quebrando todos os pratos. Acordou o vagabundo que saiu correndo, e acabou todo lanhado. Isso que da não fazer um levantamento de local.
Mas a pior que eu sei, foi a de um colega meu de academia, o cara entrou pra fazer o curso passado seu 40 anos, era um sujeito tranquilo, gente boa, acima de qualquer suspeita. Até fiquei surpreso quando me contaram o causo. Menos de um ano após a formatura o camarada estava trabalhando, em uma cidade a uns 100 km da capital, e não é que resolveu certo dia sair pra fazer festa. E la foi ele, botou a pistola pra dentro da camisa, e foi de bar em bar, todo macho. O cara que era um pacato cidadão, pai de família, que nunca sonhou em andar armado. Virou policia, e já tava achando que tinha virado Charles Bronson.
Depois de tomar varias, entrou com os amigos num cabaré chic da cidade, e continuaram enchendo a cara. Lá pelas 2 horas da madruga ele que estava sentado perto da saída, viu um cara apontando um .38 pro caixa. Não teve duvida, foi direto e reto no vagabundo, sacou a pistola, encheu o peito e ordenou: - “Policia, larga a arma”. O cara não largou. Pois é... Tinha mais uns dois ou três comparsas no local, mas o colega bebaço, não tinha visto. Bêbado e afoito, nem chegou a analisar o ambiente direito, pôs os pés pelas mãos. O policia novato, até tentou disparar com sua pistola, mas travou. Travou e travou, e não deu um tirinho sequer. Quando pistola trava a vaca vai pro brejo.
Os assaltantes, dominaram o colega, pegaram sua arma. E bateram muito no pobre infeliz. E ainda enfiaram o cano na boca dele, e perguntaram se queria morrer. E ninguém pode fazer nada. E ainda disseram que só não iam matar ele de pena. Resultado, levaram o dinheiro da zona, espancaram o policia, e mais tarde foi exonerado  do cargo.
Bebado, no lugar errado, e com a atitude errada. “Hoje eles fogem, amanhã a gente pega”. Como disse antes a melhor arma do policia é o bom senso, sem isso, resta a sorte. Esse não teve

quinta-feira, 5 de junho de 2014

A colcha.


Um de meus hobbies é escutar as histórias dos policias veteranos, quase sempre que tenho a chance paro e fico escutando um policia mais velho contar suas proezas, e tem cada uma de deixar o Rambo com  vergonha. Claro que nem tudo que se ouve se escreve, mas é uma pena até, pois aí muito do folclore policial se perde. Numa destas ocasiões estava eu sentado em uma roda de amigos, e cada um contado seus feitos mais notórios, até que o Maças* começa a falar com aquela fala mansa, e todos ao entorno a prestar atenção. Dizia ele ter resolvido um caso na pura sorte a uns anos atrás. Havia aparecido um corpo, atirado em um matagal na beira de uma estrada de interior, embaixo de uma ponte, enrolado em uma colcha. Um  homem pelado, com duas perfurações de bala, e algumas lesões na cabeça. Maças fez questão de comunicar a família, e a viuvá e filhas ao saberem choraram muito, disseram não saber de nada, pois a vítima morava sozinha, e havia passado na casa da ex-mulher (a viuvá) naquele dia a tarde, um pouco embriagado e dito que iria para casa, nada fora do comum. O Maças chegou a ir no velório do morto, para ver se notava alguma atitude suspeita, pois, pra ele alguém muito próximo tinha feito aquilo, pois, o cara era pobre, e não tinha inimigos; ou era briga de bêbado ou rixa por mulher.
Depois de algumas semanas em cima do caso, ouvindo os familiares e vizinhos, sem conseguir nada, Maças ficou intrigado coma  tal colcha. Pra que enrolarem o cara na colcha? A família dizia que a colcha era dele, e que possivelmente ele teria sido morto em casa, mas na casa do camarada não havia nenhum vestígio de briga, de arrombamento, ou de qualquer fato atípico. Então se pôs a conversar com os vizinhos da viuvá, e eles contaram que ela havia se mudado a pouco, que morava na casa do falecido, e havia trazido a mudança acerca de um mês, e o cara da transportadora morava perto. Foi o intrépido Maçazinha, conversar com o indivíduo. Na DP ele parecia tranquilão, sem nada a esconder. Nosso Sherlock Homes nacional, mostrou a colcha pro paissano, que disse conhecê-la, e que fazia parte do enxoval da viuvá. Maças achou estranho a viuvá não reconhecer como sua a colcha quando foi perguntada, dizendo ser da vitima. Havia ela se enganado ou estava escondendo algo? Perguntando mais ao transportador se era amigo da família da viuvá, disse ele que sim, que até no dia da morte do “home da colcha”, esteve na casa dela para tomar uma cervejas, e não notou nada de estranho, até convidaram ele para ir em um baile.
Na casa da mulher a tardinha estava ela, suas duas filhas e seu genro, o amigo do caminhão de mudança tomou umas cervejas com eles, e se ofereceu para levá-los ao tal baile, até porque estava de olho na filha mais nova da viuvá, que era uma moreninha ajeitada de 16 aninhos. E se foram... Ele na cabine com a moreninha, a viuvá, a outra filha e o genro atrás, pelas estradas de chão batido pro bailão, em um ginásio no interior. Certa altura o genro pede para parar o caminhão pra descer pra mijar. Desce ele, sua mulher e a viuvá, e o motorista fica de assanhamento com a moreninha. Ela todo fogosa, querendo jogo, e ele não se fez de rogado, deram umas bons amassos, até que a família voltou. Mas aí sem mais nem menos o clima esfriou, a morena não quis mais saber dele, sem motivo algum, e acabou que a viuvá disse não estar se sentindo bem, e queria voltar pra casa. O motorista voltou contrariado por perder o esquema com a moreninha, mas fora isso não notou nada de diferente.
Para uma mente despreparada apenas coincidências, ou fatos estranhos, mas pra mente treinada do “Grande Maças”, já se formou toda a cena, a viuvá tinha matado o cara, com a ajuda do genro e das filhas, embrulhado ele na colcha, colocado na caçamba do caminhão sem o motorista ver, e depois desovado perto da ponte, quando desceram dizendo que queriam mija.
Até aí tudo muito bonito, mas como ele iria confirmar sua teoria?
Lá foi ele de novo chamar toda família trapo. Ouviu a viuvá, a mãe da viuvá, a filha mais velha, o genro, e nada... Gentinha muito insossa, insipida e inodora, todos com a mesma conversinha mole, a até se ofenderam quando ele insinuou que algum dele tinha participação no crime. A viuvá chegou até a chorar.  Então só restava a moreninha de 16, era a cartada final. Havia deixado ela por ultimo, pois como rezava sua cartilha, sempre tem que se forçar mais no lado mais fraco,  o suspeito mais jovem, mais inexperiente, mais ingenuo. Após uma breve conversinha mole, fazendo a jovem achar que ele era apenas um velhinho amigável, e bem intencionado, e que só queria ajudar, começou a despejar seu veneno, dizendo que quem havia matado o pai dela, havia sido sua mãe, com ajuda do genro e de sua irmã. Que tinham atirado em seu pai, depois embrulhado o corpo na colcha e largado no mato perto da ponte. Tudo assim, seco preciso e convicto, como só a verdade pode ser. Mas que ela podia ficar tranquila que sua mãe (a viuvá), tinha confirmado tudo, e assumido o mando do crime, e que pra ela não iria dar nada, que podia confiar, pois, ela não tinha feito nada, que tinha sido coagida a participar, que se contasse tudo como aconteceu, de acusada passaria a vitima. Depois de tentar negar tudo, durante toda explanação do Maças, a moreninha desabou e chorou. Não um choro de arrependimento mas um choro de ter sido pega.
Depois de chorar, soluçar e ser consolada pelo velho policial, como se estivesse acalmando uma filha, ela começou a contar.
No sábado, dia fatídico, sua mãe convidou seu pai para tomar umas cervejas em sua casa, eles estavam meio brigados, por causa da separação, por ela ter ficado com quase nada, já que a casa e terreno onde o casal morava eram dele, e ela estava tendo que pagar aluguel. Na casa da viuvá, beberam algumas cevas, e ela ofereceu sua cama para ele deitar, e lá foi ele, ingenuamente. Em seguida como previamente combinado a viuvá chamou o genro, que estava esperando no outro quarto, e veio ele com revolver em punho, matar o sogro. O matador tremia muito, era inexperiente na função. Nunca tinha matado ninguém, e acabou acertando um tiro no peito e outro no pescoço do sogro, mas não matou. O sogro tentou levantar meio cambaleando, meio bêbado sem entender nada. O genro se apavorou e foi pra sala, onde estava sua mulher e a moreninha, logo apareceu a mãe da viuvá (sogra do morto), pegou um machado que estava atrás da porta, e deu pro genro dizendo. - Agora que começou com a lambança, acaba o que tu começo! (O veinha ruim essa!). Então o genro voltou pro quarto e deu mais umas pauladas com o machado na têmpora do alvo. Morto o pobre coitado, as mulheres da casa trataram de lhe dar um banho, lavar o quarto, tirar sua roupa, queima-las, e embrulhá-lo na colcha que estava suja de sangue (Nada como uma família que trabalha unida). Depois a mãe ligou para o homizinho da mudança, o convidando pra tomar umas em sua casa, e quando ele chegou lá, não notou nada de diferente. Pediram para ele lhes levaram no baile, e deram um jeito de colocar o corpo enrolado na colcha atrás do caminhão. A moreninha deu mole pro motorista, para distrai-lo, e não ver enquanto tiravam o corpo de seu pai da caçamba e descarregavam no mato.
Pois é... Quem diria que por uma colcha daria nisso tudo. Essa é mais uma das tantas peripécias desse homizinho terrível.

* Já citado no conto “O Grande Maças”.

Autor: FSant'Anna

quarta-feira, 16 de abril de 2014

O Preso e a lasanha


A vida sempre reserva surpresas, até nos momentos mais inesperados.
Eu novo numa DP grande, trabalhando em um Cartório, e ainda assustado com aquela função toda, chegando a oito flagrantes por dia, e o pessoal do plantão bem atucanado. 
Naquele dia havia ficado trabalhando até mais tarde, eram umas 19 horas, e a tarde toda entrando e saindo preso, e dava para ouvir desde o começo da tarde que um preso resmungava alguma coisa, e de tempos em tempos um colega ia até a cela e o xingava, mandava calar a boca. Dizendo que vagabundo tinha que ficar quieto, que se estava achando ruim, que não tivesse cometido o crime, etc, etc e tal. Aquele velha cena de cana dura esculachando vago. E se destaca uma colega, muito exaltada que entra em nossa sala uma hora, e reclama do preso, dizendo que ele é muito chato e não para de importunar o dia todo, e volta pra frente da cela para bater boca mais um pouco com o preso. 
Antes de ir pra casa sento na cozinha, próxima a cela, para tomar um café, e chega um dos colegas plantonistas, polícia velho já,  perguntando se a lasanha que esta na geladeira é minha, e respondo que não, e pergunto porque. O colega, um cara forte com cara de marrento, diz que se a lasanha não tem dono, ele vai esquentar e dar pro preso, porque o cara esta preso desde as 6 horas da manhã sem comer nada, e tá todo molhado e com frio. Que mais tarde ia em casa que era perto pegar uma toalha pro vago se secar, e buscar uma janta e dar um pouco pro cara também. 
Realmente aquela atitude do colega me deixou perplexo, pois até então a única atitude dos colegas com aquele infeliz tinha sido de humilha-lho, e piorar sua situação, e agora esse único mostrando comiseração para com o preso.
Depois de comer a lasanha o preso de aquietou e dormiu, até que o levassem ao presidio.  
Fiquei tão pasmo que nem disse nada ao colega, e fui pra casa. 
Não que eu seja favorável a ser “bonzinho” com vagabundo, mas no  caminho fui pensando, que o cara já estava preso, e já estava começando a pagar por seu crime. Quem somos nós policiais para tentar fazer de certa forma uma justiça pelas próprias mãos, e aumentar o sofrimento do cara. Nosso dever é aplicar a lei, punir pelo crime cometido e não punir a pessoa por sua existência. 
Realmente fiquei comovido com aquela atitude, uma atitude boba até, e não achei que ele foi “bonzinho” ou frouxo, até porque se o preso tem uma hipotermia ele que ia abraçar a bronca. 
Mais tarde caiu a ficha que estava diante dum baita exemplo, de que somos policiais, mas humanos acima de tudo. 
Infelizmente nunca tive a oportunidade de dizer a esse colega o quanto o bom exemplo dele me marcou, mas com certeza ele não precisaria dessa bajulação, acho que a melhor forma de retribuir um bom exemplo é buscar replicá-lo.  

quinta-feira, 13 de março de 2014

Remorso (Remoroso Mata)


Certas coisas que parecem ser fáceis se mostram mais duras do que esperamos. E assim, nunca que ia imaginar no que estava me metendo quando chegou naquela delegacia do interior aquele colono velho, lá com seus 80 anos, meio-surdo, e já bem cegueta, dizendo ter sido roubado. Haviam pego seu cartão do banco, e retirado todo o dinheiro de sua conta. Notou o sumiço somente quando foi sacar sua aposentadoria, e o gerente lhe mostrou o extrato, com diversos saques vultosos. O velhinho teve que ser acudido para não ter um troço. Haviam rapelado suas economias feitas em anos.
Pior era que este mesmo velho tinha sido vítima do mesmo tipo de golpe a menos de um anos atrás, e mesmo assim não aprendeu a nunca deixar a senha junto do cartão na carteira. Naquela vez o autor era um de seus sobrinhos. E desta vez ele achava ter perdido o cartão em uma festa de família. De novo a suspeita recaia sobre a família.
Da outra vez, com ajuda das imagens das câmeras de segurança do banco, acabei descobrindo o tal sobrinho. As imagens eram claras, dava pra ver a cara inconfundível do gatuno. Já que era uma família de albinos, não tinha erro. Ver aquela cara branca, sacando um maço de dinheiro do caixa eletrônico matou a charada. O vagabundo tinha se aproveitado que o tio tinha viajado, e arrombou a casa do pobre velho, pegou um talão de cheques e o cartão com a senha.
Até lá fui ouvindo a familiarada, enquanto não chegavam as imagens do banco. Um tipo mais estranho que o outro, quem não era louco, era cego, surdo, e os que restavam sem-vergonha mesmo. Somente não ouvi os três sobrinhos que era sobre quem recaiam minhas suspeitas. Queria ouvi-los quando já tivesse as imagens em mãos.
No resumo das oitivas fiquei sabendo que o sobrinho autor do ultimo furto não estava na festa, então era um suspeito a menos, de resto, nenhum fato revelador, apenas que a família estava fazendo churrasco reunida, e o automóvel do velhinho estava estacionado no patio da casa, que era murada, com a carteira no porta-luvas.
Passados quase dois meses do fato, chagaram as imagens das câmeras de segurança, com  saques efetuados em cinco agências diferentes, talvez para não deixar suspeitas, mas o ladrão era muito amador, em todas imagens aparecia a mesma pessoa, um rapaz alto, magro, e é claro “polaco”. Eu não o conhecia mas com certeza era da família do velho.
Chamei a vítima para ver se reconhecia o autor nas imagens, mas como ele é bem cegueta, não conseguiu ver nada, mesmo com o rosto colado na tela do computador. Mas perguntei a ele sobre um moça morena cor de cuia que aparecia em uma das imagens, aguardando o rapaz sentada em uma motocicleta em frente a agência, e ele respondeu que seu outro sobrinho, Fagner, filho de seu outro irmão, possuía uma motocicleta azul, parecida com a que eu vira nas imagens.  OK, então tudo levar a crer que o ladrão seria o tal Fagner.
Chamei a irmã dele e o pai. A irmã ao ver as imagens se fez de “loca”, dizendo não conseguir reconhecer a pessoa, pois, em certas imagens ele estava de óculos escuros e em outras de boné, como se isso tornasse a pessoa irreconhecível (como o super-homem que mete um óculos na fuça e ninguém mais o reconhece). Disse a ela que se a pessoa é da familia, até de costas se reconhece, mas a ordinária se fez de desentendida. Pra mim quem acoberta ordinário, o é o tanto quanto.
Logo mandei o pai do suspeito entrar. Ouvir pai, mãe, irmãos, esposa normalmente não leva a muita coisa, pois, a tendencia é de acobertarem as safadezas do acusado, pois, ao meu ver, se são do mesmo meio tendem aos mesmos vícios. Mas por incrível que pareça o Sr. Moacir, era gente humilde, lavrador com as mãos calejadas da lida, que criou cinco filhos a muito custo e sacrifício, e reconheceu o filho logo na primeira imagem. Ficou indignado, mal acreditando no que via. Seu filho mais novo, “roubando” o dinheiro do pobre tio, um velhinho decrepito, viúvo, que não tinha ninguém por ele nesse mundo.
O Moacir dava pulos na cadeira, xingava de vagabundo, marginal, e se perguntava como que um filho que criou com tanto custo, foi dar nisso. Vi que o homem estava fora de si, e com receio das consequências tentei minimizar, dizendo que Fagner era novo, tinha só 18 anos, havia cometido um erro e não era o fim do mundo, que tinha que assumir seus ato e consertar a cagada que tinha feito. Moacir ficou envergonhado, e prometeu pagar todo dinheiro a seu irmão, nem que tivesse que vender as roupas do corpo.
Como já era sexta-feira, deixei para conversar com Fagner na segunda. Naquele dia pela manhã fiquei envolvido com outras oitivas, e ao meio dia fui almoçar na casa de um amigo. Papo vai, papo vem, o tal amigo me pergunta se eu sabia da ultima. Despreocupado perguntei que tinha acontecido. Disse ele que um rapaz havia se enforcado naquela manhã mesmo. Perguntei que rapaz, e ele disse que um tal que havia “roubado” um dinheiro do tio. Senti uma coisa ruim subindo da boca do estomago. Acrescentou ele que parecia que naquela manhã o pai do enforcado havia  ligado pra tirar satisfações, dizendo que ele era a vergonha da família, que agora não poderia mais sair na rua de vergonha, que todos na cidade sabiam que ele tinha criado um ladrão, e que a partir daquele momento ele não era mais seu filho, e que ele iria fazê-lo pagar todo dinheiro, nem que tivesse que tirar seu couro para isso. E assim por remorso, medo do pai, ou vergonha, o guri saiu de moto estrada a fora, entrou mato, com uma corda nas mãos, subiu numa arvore e se “pendurou”. Foi encontrado naquela manhã, após sua mulher ter chamado a policia, estranhando seu sumiço.
Nisso que deu minha investigação, o que parecia tão fácil, apenas um furto, facilmente elucidado, tinha virado uma tragédia. Um turbilhão de emoções tomou conta de mim. Será que eu poderia ter evitado? Ter feito algo diferente? Por descobrir a verdade, um jovem com toda vida pela frente acabou se matando. Fagner não tinha antecedentes criminais, nunca tinha aparecido na delegacia, e nunca apareceu.  Imagino o trauma do pai, da mãe, e de toda família. Por pior que seja uma família, uma morte sempre é triste.
Quem poderia imaginar que algo tão banal poderia acabar nisso? Mesmo fazendo tudo certo, as coisas fugiram de meu controle, e até hoje “me da um ruim” ao recordar.

segunda-feira, 3 de fevereiro de 2014

O Bom Pastor.

Ser policial realmente surpreende, e talvez sejam estas reviravoltas e imprevistos que dêem a graça na coisa. Cada caso tem sua peculiaridade, suas verdades, suas mentiras, gente matando gente, gente enganando gente, e muitos que até parece que nem gente são. E quando se acha que já viu de tudo, sempre aparece um caso que nos surpreende. Assim foi o caso do Bom Pastor, estava eu em mais um desses reforço para resolver Homicídios “encravados”.  Aqueles casos de cerca de 10 anos atrás, onde nada foi investigado, ou nada se conseguiu, sem suspeitos, ou que simplesmente por não valer a pena não foram investigados. E por incrível que possa parecer, mesmo sendo o homicídio o delito mais grave, muitos acabam esquecidos empilhados nos montes de inquéritos dentro das delegacias das grandes cidades.

Por sorte ou azar fiquei incumbido do homicídio do “Gato Pelado”. Conforme a ocorrência, um homem de 30 e poucos anos, havia levado um tiro na testa, em plena luz do dia, na rua 2 do bairro São João, bairro pobre, apelidado de Cracolândia. Que o autor do disparo seria Marcio, irmão de Lucas, moradores do bairro. A vítima era Tiago de Tal, apelidado “Gato Pelado”. OK. Tudo muito bem, tudo muito bom, mas a ocorrência era de exatos dez anos atrás, e só constava o nome completo da vítima, não tinha sobrenome dos autores, muitos menos endereço, ou localização. Era ruim de achar um Marcio irmão de um Lucas, em um bairro de 100 mil moradores, talvez por isso que no inquérito além da ocorrência havia apenas a necropsia da vítima, nada mais.

Levantando a ficha do morto, me ajudou a entender mais o descaso dos colegas da época, o tal “Gato Pelado”, tinha umas cinco folhas de antecedentes, a maioria furto, alguns roubos, lesão corporal, tráfico, porte de arma, posse de droga e tentativa de homicídio. Provavelmente era disputa por boca de fumo, e nesses casos muitos policias fazem corpo mole, por achar que de certa forma a justiça já foi feita; justiça do morro, a justiça da rua (é justiça ou não? Aí cada cabeça uma sentença). Estava ali para investigar, não me interessava se a vítima era “santo”. Havia um cadáver, um crime e com certeza um autor. A lei é clara. Quem julga é o juiz, policial investiga, apura, “fuça”.

Pra começar chamei toda parentada do “Gato Pelado”, mãe, irmãos, sobrinhos, ex-companheira. Pra mãe ele era um anjo, um doce de rapaz, e o assassino um monstro, acho até engraçado como a morte apaga quase tudo, depois que morre todo vago vira trabalhador, bom filho e pai de família. Fora a choradeira a mãe não sabia de nada que ajudasse. Para a ex-mulher ele não valia nada, era um drogado, um ladrão e vivia lhe batendo (como dizem, opinião é que nem bunda, cada um tem a sua). Depois de ouvir uns 15, as melhores pistas foram dadas pelo cunhado do “Gato Pelado”, que disse que Marcio e Lucas eram filhos de uma tal de Nair, e que a um ano atrás havia visto Marcio no bairro Guajuvira, quando havia ido a um culto de uma igreja, e o tal Márcio era o Pastor. De matador a pastor, as voltas que o mundo dá...

Viramos o bairro Guajuvira, por dois dias, duas ou três dessas igrejinhas por quadra. Trabalho impossível. Nenhum fiel ou infiel, ninguém conhecia o tal Pastor Marcio.

Vasculhei o sistema para ver algum Marcio ou Lucas, filhos de uma tal Nair, e tinham vários, uns 1000, busquei junto a empresa de energia elétrica as Nair do bairro São João, tinham umas 100, moradoras próximo a rua em que o “Gato Pelado” foi encontrado umas 10. Aí o jeito era meter a cara na rua de novo, e bater de porta em porta.

Por incrível que pareça as primeiras 9 não deu em nada, na ultima, quando já estava pronto pra dar um pé nesse caso, batemos em uma casa, que o morador dizia estar alugando de uma tal Nair Fagundes, que achava ser mãe de um Marcio ou Mario. Muito pouco, mas era o que tínhamos, o morador nos indiciou o possível endereço da tal mulher. Chegando na rua indicada não encontramos o numeral, fui perguntar num mercadinho perto. Indaguei o bodegueiro, se conhecia alguma Nair naquela rua, ele disse que não, acrescentei, que era a mãe de um Mariio e de um Lucas, ele disse que conhecia dois irmãos com esses nomes, mas achava que o nome da mãe era Terezinha, mas que a irmã deles morava ao lado do mercadinho.

Já que era perto, não custava especular. Na casa um mocinha atendeu, perguntei do Marcio e Lucas filhos de Nair, e ela respondeu que conhecia, mas que eram filhos de  Terezinha Nair Silva. Tava aí minha Nair. A moreninha disse ser cunhada da irmã de Marcio e Lucas, e que eles não moravam ali, e não sabia seu endereço ao certo, mas que as vezes no final de semana Nair aparecia. Deixei um convite de comparecimento e meu telefone (mais sorte que juizo, procurando a mulher errada encontrei a pessoa certa. Sai a  cata de uma Nair Fagundes mãe de um Mario, e encontrei a Nair Silva, mãe do Marcio).

No outro dia me liga a tal Nair, querendo saber do que se tratava, disse que era um caso antigo, que ela não precisava se preocupar e que se pudesse trouxesse seus filhos junto, ela foi simpática e se comprometeu a comparecer no outro dia pela manhã. Sim ela não precisava se preocupar mesmo, já eles...

Ouvi a Nair rápido, que se surpreendeu com o teor da ocorrência, e a despachei logo, já que como mãe já esperava que mais atrapalhasse que ajudasse. Logo chamei Lucas, que tinha um belo currículo, vários furtos, tráfico, roubo, etc e etc. E a cereja do bolo era uma série de roubos a pedestre, roubando três pessoas na seqüência em menos de 1 hora; o primeiro numa praça, o segundo duas quadras mais pra frente, levou o tênis , e mais um quarteirão a careteira de outro; nunca tinha visto, tipo roubo a mão armada com barreiras ou em distancia, só parou por que a policia militar o deteve. Pobrezinho estava indo tão bem...

Lucas era um cara baixo e magro, com um olho vazado, se dizia ex-usuário de drogas, recém saído do presídio. Não dava para esperar muito de um cara desses, ainda mais acompanhado de uma advogadazinha nova, que o instruía a não dizer nada. Lucas visivelmente nervoso, mexendo uma moeda entre os dedos. Disse apenas que era amigo do “Gato Pelado”, isso eu já sabia, já tinha visto ocorrências de furto e roubo tendo os dois juntos como autores. Contou que no dia do acontecido seu irmão o procurou, querendo saber de “Gato pelado”, dizendo que ele tinha invadido sua casa e levado suas coisas, mas que não estava junto no local do fato, e não sabia mais nada.

Aí vi tudo, o “Gato Pelado”, ladrãozinho fino, furtou a casa de Marcio, que foi tirar satisfações e acabou matando o ladrão.

Marcio chegou enfiado num terno de Pastor, com uma bíblia embaixo do braço, acompanhado da mesma advogadazinha. Me cumprimentou todo cheio de nove horas e sentou, me chamando de senhor. Olhei sua ficha e não tinha nada, um cidadão exemplar a principio, apesar de ser irmão de um marginal como Lucas.

A advogada disse a ele que não precisava falar nada se não quisesse, e ele com a bíblia embaixo do braço, me disse:- Olha senhor, sou temente a Deus, não vim aqui pra mentir. E começou a falar de Jó, que deus tinha mandado 10 pragas a Jó, e ele resistiu, e tal e coisa e coisa e tal. Foram uns 15 minutos de missa. Eu concordando com tudo, dizendo que deus estava vendo, que a ele ninguém engana, que a justiça dos homens até falha, mas a dele nunca (quando o cliente é louco, o jeito é ser mais louco ainda).

Depois da pregação, Marcio despejou tudo aquilo que ele carregou por quase 10 anos. Era realmente um homem de fé, atormentado por ceifar uma vida. Contou que chegou em casa e viu tudo revirado, o DVD e TV novos que tinha comprado, em 10 prestações, tinham sumido, e até as roupas de sua mulher e de seus 5 filhos. Perguntou ao vizinho quem tinha feito aquilo, e ele disse que tinha visto o “Gato Pelado” saindo da casa com a TV. Bastou para aquele se tornar o dia de fúria de Marcio. Pegou uma arma emprestada com seu irmão Lucas, e foi pegar suas coisas de volta com o ladrão.

Chegou em frente a casa do “Gato Pelado”, bateu palmas e ele saiu com outro cara para fora. Exigiu suas coisas de volta, e o vagabundo, disse que não devolveria nada, que já tinha trocado por pedra (crack), e Marcio que vazasse dali, pois se não iria voltar na sua casa quando ele estivesse trabalhando e iria pegar sua mulher e suas filhas. Marcio homem de bem, tendo o seio de seu lar violentado, seus poucos pertences levados, e agora a honra de sua família ameaçada. Tudo ficou vermelho disse ele: - levantei o braço, fechei os olhos e apertei o gatilho, nem vi pra onde atirei, só vi ele caindo no chão. Lucas me puxou e disse pra correr, saí dali correndo, joguei a arma num córrego e fugi.

Não sei se algum dia tive uma confissão tão completa e sincera. Lei de talião: olho por olho, dente por dente. O pai de 5 filhos, pastor, matou o ladrão drogado. Quem julga esse caso? Nenhuma vida vale mais que outra. Dura Lex, sed lex (É dura mas é a lei).

Autor: FSant'Anna

quinta-feira, 2 de janeiro de 2014

batalha das galinhas (Operação Galo Fino)



A tempos estávamos tentando pegar Argemiro, mas nunca conseguíamos muita coisa.  O cara estava sempre metido em rolo, mas o máximo que conseguíamos era fazer alguns TCs (Termos circunstanciados), por Dano, Ameaça, Injúria, alguma lesão corporal leve. Ele passava aprontando e era temido na cidade, pois, tinha fama de machão, brigador, sempre que mandávamos os TCs pro Foro, ele ameaçava as vitimas e testemunhas; e acabava saindo de lombo liso. Por fim por medo dele, muitos nem registravam ocorrência.
Era grande a conversa na cidade de estar metido em abigeato, vender carne para bolichos no interior e até para algum mercado na cidade, e até um caminhão boiadeiro havia comprado a pouco, o que aumentava mais as suspeitas; além de comentários de trazer drogas de fora da cidade.
Já que apesar das conversas de esquina, ninguém botava isso no papel. Conseguimos alguns informações anonimas e pedimos uma escuta. Mais de mês ouvindo ligações para as amantes, marcando encontros, esquemas e orgias. Chegava a estar com uma irmã, e cantar a outra, era um cara de pau o tal do Argemiro.
Mas de produtivo muito pouco, o cara era esperto, para negócios mais arriscados ou tinha outro telefone, ou falava pessoalmente. A única coisa que pegamos foi ele combinar de fazer uma rinha de galo em sua propriedade. Já era alguma coisa. Sabendo da rinha, podíamos bater na casa dele, e pegar alguma droga, ou arma para fazer o flagrante. A colega que estava com a escuta falou com o delegado, e foi marcada a operação para o dia da rinha, “Operação Galo Fino”.
Então num domingão de sol a pino, saímos eu e a colega, bem cedo. Ficaríamos de campana, observando as pessoas chegarem na propriedade, depois, nos encontraríamos com o restante da equipe para “estourar” a rinha.
Tivemos que subir um cerro bagual, e ficar em cima de uma pedra, debaixo de solaço gaúcho, para podermos observar de binóculos a movimentação na propriedade.  Ficamos mais de hora lá, vestidos de preto dos pés  cabeça (vestimenta operacional) torrando no sol,  para ver meia duzia de carros passar. Pela escuta parecia que a rinha ia ser grande, mais de 100 pessoas, mas pelo visto algo deu errado, pouca movimentação. Mas mesmo assim, nos encontramos com o restante do pessoal, haviam umas 20 viaturas, mais de 50 Papa Charlies. Fiquei na equipe do fundão, em qualquer operação é indispensável “fazer o fundo”. Aprendi isso com um delegado antigo. E realmente nesses casos sempre tem algum vago que foge pelos fundos, e se não fizer o fundo, alguém acaba escapando.
As viaturas saíram e lá fui eu mais três atravessar um mato de eucalipto bem espeço, passar uma “sanga”, depois subir uma “coxilha” para chegar a propriedade. Mal chegamos no alto, e começou “Tau”, “Tau”. “Tau” (tiros). Atrás daquele eucalipto não tinha com saber quem estava atirando, muito menos de onde. Aceleramos o passo, mas com cuidado andando em torno do mato, até que começamos a avistar um bando de gente correndo, alguns virando em perna, descendo um barranco pro outro lado, e outros vindos em nossa direção. Não sabíamos se estavam armados ou não. Atirar ou não atirar? Na duvida, prefiro sempre não atirar, melhor esperar que matar um inocente. Passa um fujão na minha frente, mando parar; não para. Grito de novo. Nada. Só parou quando dei um tiro próximo dos pés dele. Se não vai na educação, vai no susto. Deixo este sob custodia do colega que vem de trás, pois já estava vendo outra figura conhecida logo adiante. É Argemiro fugindo com carregando algo nas mãos. Grito: -Levanta as mãos, levanta as mãos!. E ele: - Não posso, se não os galo briga. Quase não me contive quando avistei direito a cena. Ele com um galo em cada mão, e não queria soltá-los no chão para não brigarem. Que peça rara....
Dei voz de prisão, e os colegas de trás chegaram, até que avistamos aquele outro bando, uns correndo e outros rolando morro abaixo, e alguns colegas atrás. Deixei Argemiro com os colegas, e lá me fui. Sai já uns 500 metros atrás, mas acelerei, deixando cair minha perneira, que impedia que corresse direito. Esse é o problema de se encher de badulaque tático, se precisar correr, não tem como.
Cheguei junto de dois outros policias que já estavam em volta de um banhado onde uns três outra quatro, haviam e escondido. Batemos os matos, mas muita gente já tinha se evadido do local. Avistei um mais a cima, e sai correndo atrás, já estava se folego, e quando me aproximava ele corria, e assim fomos, até que ele pegou uma motocicleta que estava atrás de uma árvore e se mandou (assim não vale). Resolvi voltar, e na passada, ouvi uma voz dizendo, eu me rendo não atira. Até que mais um saiu do mato com as mãos pra cima. Pegamos uns três no mato, mas muitos fugiram, e retornamos sujos, suados, embarrados, para agrupar com o restante do pessoal. Ao reunir vimos o saldo da ação, 20 presos, a maioria pessoas idosas, pois, quem conseguiu correr fugiu. Pegamos algumas armas sem registro, muitos artefatos para rinha de galo, além de mais de 100 galos.
Na DP juntamos fizemos o flagrante, e enquanto isso eu custodiava os velhinhos da outra sala. O mais engraçado foi ouvir um dizer: - Que, que eu vou fazer agora? To velho, já não posso joga bola, namora não consigo mais, agora nem brinca de rinha posso mais.
Nesse dia foi isso, muita correria, troca de tiros, mas pelo menos conseguimos desmanchar a rinha. Pior foram os dias que se seguiram, operação acabada. Quem iria carregar todos aqueles galos? Eu e meus colegas. Alguns galos estavam em armários, grandes de madeira, mais de 20 galos em cada, e outros em gaiolas menores. E pior o caminhão da prefeitura que conseguimos era de transportar areia, não baixava a carroceria. Os galos que estavam nas gaiolas avulsas, tivemos que pegar, e atar as pernas e colocar no caminhão. Fora algumas bicadas nas mãos, não foi tão difícil. O pior ainda estava por vir, ainda tínhamos que erguer aqueles armários pesadíssimos, para cima do caminhão. O jeito foi erguer a muque e colocar no caminhão (aí se foi meu ciático). Quando pensava que o trabalho estava acabado, disse o delegado. Temos que pegar as matrizes também. Matrizes? Me aponta ele umas 10 galinhas, magrinhas, irmã gemeá de saracura, que estavam soltas num terreiro próximo. E quem disse que pegávamos? Eramos em 5 mais ou menos, eu, outro colega, o motorista, e dois operários da prefeitura, correndo feito uns tontos para pegar aqueles bichos, mil vezes mais rápidos e ágeis do que nós (cena tipo coiote e papa-léguas), e naquele momento acredito que até espertos, pois, parecíamos uns idiotas correndo atrás das galinhas, foi tombo pra tudo que é lado.  E o velho Maneco, pai do Argemiro, de braços cruzados, dando gaitadas da cena que via. Cinco barbados se estabacando para pegar umas galinhazinhas. Tanto nos viu sofrer, sem muito exito, que decidiu ajudar, e como é gaúcho da lida do campo, bem fácil pegou as bichinhas. Tem coisa para as quais diploma universitário não te serve de nada, uma delas é pegar galinha a unha, a outra é abrir porteira (mas essas são outras conversas...).
 Findada a batalha das galinhas, levamos o bicharedo para outra propriedade, onde ficariam até  a decisão judicial. Quer dizer deixamos os galos vivos, pois, no caminho, em cima do caminhão, muito brigaram, se machucaram e alguns morreram. Oh! bicho tinhoso o tal galo de rinha. Não da pra botar dois juntos que brigam, não sei se pela natureza ou pelo treinamento. Mas enfim foi esse o saldo, 20 velhinhos respondendo por crueldade contra os animais, Argemiro ficou preso por uns dias, aquela rinha acabou, e dentre penas e bicadas, quase todo mundo saiu ileso, com exceção dos galos, que conforme soube, após terem sido entregues a outro criador, acabaram virando rizoto.