quinta-feira, 21 de agosto de 2014

Bicho homem


Essa é mais uma história ouvida entre as paredes das delegacias. Nunca gostei muito de estorias policiais, mas no bate-papo com os colegas de profissão, a gente ouve cada uma, que nem o melhor romance de Agatha Christie seria capaz de reproduzir. È esta historia não escrita da policia, feita do dia a dia do policia comum, que eu acho realmente fascinante, e não aquelas besteiras de Hollywood.
Esta me foi contada pelo colega VWD, numa dessas delegacias pequenas de nosso longínquo interior. Profissional seríssimo, bem diferente de muitos fanfarrões que gostam de contar com galhardia, qualquer feito desde o menor como se fosse um ato de bravura homérico. Acabou me contando ao acaso, enquanto nos deslocávamos para  atender uma outra ocorrência de homicídio.
Disse ele que a algum tempo atrás atendeu uma ligação, de que numa localidade rural, bem afastada, haviam encontrado um feto, jogado no meio do chiqueiro dos porcos. Sim! Um bebe recém-nascido, atirado sem vida no meio do chiqueiro dos porcos. Coisa ruim de imaginar... Mesmo para quem convive nesse meio. E lá se foi VW, ele mais outro, até a tal localidade.
Em la chegando, estava o capataz da propriedade que morava em um casebre de madeira, com mais 5 filhos e a esposa, em estado de choque, gaguejando, e puxando o policia pelo braço, para mostrar onde o corpo estava. Então na cerca do chiqueiro, o policial já avistou algo coberto de lodo, parecendo uma boneca. Ao entrar e se aproximar, não teve mais como confundir, era uma criança, recém-nascida,  com diversos ferimentos, e já sem vida.
O local foi isolado, os levantamentos devidamente feitos, e constatou-se que era um menino, e havia sido gravemente agredido, possuía dois cortes profundos na jugular, e outros hematomas diversos, e um grande na cabeça. Quem poderia ter feito aquilo? A casa mais próxima era a do capataz, as mulheres da casa eram sua mulher, uma bugra de uns 40 anos, e 3 filhas, umas de 15, outra de 13, e uma pequena de 7. A casa mais próxima dali ficava a mais de quilometro.
Foi coletado material, e levado para analise de DNA, mas como a realidade do Brasil, em nada ter haver com SCI, o exame levaria mais de mês para ter resposta.
O delegado e os policiais, quebravam a cabeça para entender como aquele bebe  tinha parado ali, pois, segundo os primeiros relatos da família, nenhuma das meninas estava gravida, mal saiam de casa, não tinham namorado, e outras mulheres não frequentavam a casa.
Vizinhos foram ouvidos, mas nada sabiam, apenas que a família era bastante reservada, mas nenhum fato que levantasse suspeitas.
O pai um pobre coitado, tinha quarenta anos com aparência de 60, semi-analfa, mal sabia falar. Muito nervoso, chocado coma situação, nada sabia, até achava ser coisa do diabo aquilo ali.
A mãe, também nada sabia, disse não estar gravida, e não ter nenhum motivo para abortar se estivesse, pois já tinha 5, um a mais ou a menos não faria diferença, e não acreditava que nenhuma das filhas estivesse, pois, não tinham contato com outros homens fora da família e não apresentaram nenhum sinal de gravidez.
A filha mais velha, gordinha, com cara de criança assustada, jurava nada saber, e ao ser “apertada” pelo delegado chorou.
A mais novinha, bem magrinha, parecia ter algum problema mental, pois, quase não falava, apenas balbuciava, e tinha que ser perguntada aos gritos. Estava empacada e também negou ser a mãe da criança.
Os dois meninos das família o de 16 e o de 10, nada disseram que se aproveitasse.
Um beco sem saída a principio, o jeito foi mandar as mulheres a exame. O que dava para pensar era que o pai poderia ter abusado de uma das filhas, e a gravidez ter sido escondida, com a conivência da mãe, ou ela mesma podia ter abortado a criança. Só o exame poderia dar alguma pista, já que uma mulher estranha a casa, ter invadido o chiqueiro e deixado o feto lá, seria muito difícil, sem que a família visse, só se fosse uma prima ou vizinha.
As mulheres tiveram que ir pra capital fazer exames, até marcar condução, e ficarem prontos os exames levou mais de semana. E quando vieram foi uma grande surpresa. A mãe não estava descartada, pois ainda era fértil;  a magrinha ninguém achava que fosse, muito pequeninha, e com apenas 13 anos; a gordinha de 15, era a mais forte suspeita, pois, seria mais fácil esconder a barriga. É mas os exames não deixaram duvidas. Era a de 13 anos, a mais magrinha, os exames comprovaram que havia parido a pouco.
A surpresa foi geral, até do delegado. Agora era saber as circunstancias.
A menina foi chamada novamente, e agora com os exames em mãos, tinha que desembuchar. A oitiva foi difícil, a menina era travada, “dava vontade de bater, pra ver se pegava no tranco”, dizia o colega. Mas até que foi, ela admitiu estar gravida, e por medo do que o pai iria fazer com ela, escondeu a gravidez, atava a barriga com trapos, e quando sentiu que iria parir, pegou uma faca e foi no meio do chiqueiro, e deu a luz, sozinha, sem conhecimento de ninguém. Não sabia o que fazer com a criança, então deu duas facadas no pescoço, e depois bateu com a cabeça do bebe contra uma pedra, e tentou esconder  no meio do barro.
Incrível imaginar que uma menina de 13 anos fosse capaz de uma coisa dessas.
E quem era o pai?
O irmão de 16 era o pai.
Fácil imaginar, ao pensar que dormiam os 5 filhos amontados em colchões atirados no chão do mesmo quarto.
Na necropsia do bebe, ainda ficou demonstrado que o que matou não foram as facadas, e sim as batidas da cabeça da criança na pedra.
A menina foi internada da CASE por alguns anos, e hoje esta casada e já tem outros filhos, como se nada tivesse acontecido.
Criados feito bicho, dormindo amontoados, vivendo por extinto. E aí eu penso, isso é o bicho humano? Horas homem, horas bicho.