quinta-feira, 5 de junho de 2014

A colcha.


Um de meus hobbies é escutar as histórias dos policias veteranos, quase sempre que tenho a chance paro e fico escutando um policia mais velho contar suas proezas, e tem cada uma de deixar o Rambo com  vergonha. Claro que nem tudo que se ouve se escreve, mas é uma pena até, pois aí muito do folclore policial se perde. Numa destas ocasiões estava eu sentado em uma roda de amigos, e cada um contado seus feitos mais notórios, até que o Maças* começa a falar com aquela fala mansa, e todos ao entorno a prestar atenção. Dizia ele ter resolvido um caso na pura sorte a uns anos atrás. Havia aparecido um corpo, atirado em um matagal na beira de uma estrada de interior, embaixo de uma ponte, enrolado em uma colcha. Um  homem pelado, com duas perfurações de bala, e algumas lesões na cabeça. Maças fez questão de comunicar a família, e a viuvá e filhas ao saberem choraram muito, disseram não saber de nada, pois a vítima morava sozinha, e havia passado na casa da ex-mulher (a viuvá) naquele dia a tarde, um pouco embriagado e dito que iria para casa, nada fora do comum. O Maças chegou a ir no velório do morto, para ver se notava alguma atitude suspeita, pois, pra ele alguém muito próximo tinha feito aquilo, pois, o cara era pobre, e não tinha inimigos; ou era briga de bêbado ou rixa por mulher.
Depois de algumas semanas em cima do caso, ouvindo os familiares e vizinhos, sem conseguir nada, Maças ficou intrigado coma  tal colcha. Pra que enrolarem o cara na colcha? A família dizia que a colcha era dele, e que possivelmente ele teria sido morto em casa, mas na casa do camarada não havia nenhum vestígio de briga, de arrombamento, ou de qualquer fato atípico. Então se pôs a conversar com os vizinhos da viuvá, e eles contaram que ela havia se mudado a pouco, que morava na casa do falecido, e havia trazido a mudança acerca de um mês, e o cara da transportadora morava perto. Foi o intrépido Maçazinha, conversar com o indivíduo. Na DP ele parecia tranquilão, sem nada a esconder. Nosso Sherlock Homes nacional, mostrou a colcha pro paissano, que disse conhecê-la, e que fazia parte do enxoval da viuvá. Maças achou estranho a viuvá não reconhecer como sua a colcha quando foi perguntada, dizendo ser da vitima. Havia ela se enganado ou estava escondendo algo? Perguntando mais ao transportador se era amigo da família da viuvá, disse ele que sim, que até no dia da morte do “home da colcha”, esteve na casa dela para tomar uma cervejas, e não notou nada de estranho, até convidaram ele para ir em um baile.
Na casa da mulher a tardinha estava ela, suas duas filhas e seu genro, o amigo do caminhão de mudança tomou umas cervejas com eles, e se ofereceu para levá-los ao tal baile, até porque estava de olho na filha mais nova da viuvá, que era uma moreninha ajeitada de 16 aninhos. E se foram... Ele na cabine com a moreninha, a viuvá, a outra filha e o genro atrás, pelas estradas de chão batido pro bailão, em um ginásio no interior. Certa altura o genro pede para parar o caminhão pra descer pra mijar. Desce ele, sua mulher e a viuvá, e o motorista fica de assanhamento com a moreninha. Ela todo fogosa, querendo jogo, e ele não se fez de rogado, deram umas bons amassos, até que a família voltou. Mas aí sem mais nem menos o clima esfriou, a morena não quis mais saber dele, sem motivo algum, e acabou que a viuvá disse não estar se sentindo bem, e queria voltar pra casa. O motorista voltou contrariado por perder o esquema com a moreninha, mas fora isso não notou nada de diferente.
Para uma mente despreparada apenas coincidências, ou fatos estranhos, mas pra mente treinada do “Grande Maças”, já se formou toda a cena, a viuvá tinha matado o cara, com a ajuda do genro e das filhas, embrulhado ele na colcha, colocado na caçamba do caminhão sem o motorista ver, e depois desovado perto da ponte, quando desceram dizendo que queriam mija.
Até aí tudo muito bonito, mas como ele iria confirmar sua teoria?
Lá foi ele de novo chamar toda família trapo. Ouviu a viuvá, a mãe da viuvá, a filha mais velha, o genro, e nada... Gentinha muito insossa, insipida e inodora, todos com a mesma conversinha mole, a até se ofenderam quando ele insinuou que algum dele tinha participação no crime. A viuvá chegou até a chorar.  Então só restava a moreninha de 16, era a cartada final. Havia deixado ela por ultimo, pois como rezava sua cartilha, sempre tem que se forçar mais no lado mais fraco,  o suspeito mais jovem, mais inexperiente, mais ingenuo. Após uma breve conversinha mole, fazendo a jovem achar que ele era apenas um velhinho amigável, e bem intencionado, e que só queria ajudar, começou a despejar seu veneno, dizendo que quem havia matado o pai dela, havia sido sua mãe, com ajuda do genro e de sua irmã. Que tinham atirado em seu pai, depois embrulhado o corpo na colcha e largado no mato perto da ponte. Tudo assim, seco preciso e convicto, como só a verdade pode ser. Mas que ela podia ficar tranquila que sua mãe (a viuvá), tinha confirmado tudo, e assumido o mando do crime, e que pra ela não iria dar nada, que podia confiar, pois, ela não tinha feito nada, que tinha sido coagida a participar, que se contasse tudo como aconteceu, de acusada passaria a vitima. Depois de tentar negar tudo, durante toda explanação do Maças, a moreninha desabou e chorou. Não um choro de arrependimento mas um choro de ter sido pega.
Depois de chorar, soluçar e ser consolada pelo velho policial, como se estivesse acalmando uma filha, ela começou a contar.
No sábado, dia fatídico, sua mãe convidou seu pai para tomar umas cervejas em sua casa, eles estavam meio brigados, por causa da separação, por ela ter ficado com quase nada, já que a casa e terreno onde o casal morava eram dele, e ela estava tendo que pagar aluguel. Na casa da viuvá, beberam algumas cevas, e ela ofereceu sua cama para ele deitar, e lá foi ele, ingenuamente. Em seguida como previamente combinado a viuvá chamou o genro, que estava esperando no outro quarto, e veio ele com revolver em punho, matar o sogro. O matador tremia muito, era inexperiente na função. Nunca tinha matado ninguém, e acabou acertando um tiro no peito e outro no pescoço do sogro, mas não matou. O sogro tentou levantar meio cambaleando, meio bêbado sem entender nada. O genro se apavorou e foi pra sala, onde estava sua mulher e a moreninha, logo apareceu a mãe da viuvá (sogra do morto), pegou um machado que estava atrás da porta, e deu pro genro dizendo. - Agora que começou com a lambança, acaba o que tu começo! (O veinha ruim essa!). Então o genro voltou pro quarto e deu mais umas pauladas com o machado na têmpora do alvo. Morto o pobre coitado, as mulheres da casa trataram de lhe dar um banho, lavar o quarto, tirar sua roupa, queima-las, e embrulhá-lo na colcha que estava suja de sangue (Nada como uma família que trabalha unida). Depois a mãe ligou para o homizinho da mudança, o convidando pra tomar umas em sua casa, e quando ele chegou lá, não notou nada de diferente. Pediram para ele lhes levaram no baile, e deram um jeito de colocar o corpo enrolado na colcha atrás do caminhão. A moreninha deu mole pro motorista, para distrai-lo, e não ver enquanto tiravam o corpo de seu pai da caçamba e descarregavam no mato.
Pois é... Quem diria que por uma colcha daria nisso tudo. Essa é mais uma das tantas peripécias desse homizinho terrível.

* Já citado no conto “O Grande Maças”.

Autor: FSant'Anna