segunda-feira, 27 de maio de 2013

O bêbado que não era veado


No interior tem disso, muita gente vem tirar informação na delegacia. E como o nosso lema e servir e proteger, dentro do possível orientamos da melhor forma. Numa segunda pela manhã, dia que é só abrir a porta da DP, e cai gente pra dentro, pra contar das estripulias do final de semana, aparece Gutemberg (mais conhecido como Guto), um bebum de carteirinha, daqueles que não faz mal a ninguém mas andam sempre tronchos. Dizia ele: Seu delegado, quero tira uma informação com o senhor, dum causo que aconteceu. Não sou delegado, mas pra eles, qualquer um que trabalha na policia é delegado, enfim... Levei-o para uma sala reservada e pedi que contasse o tal causo. A sala se impregnou com aquele cheio forte de cachaça de alambique, fumo e sujeiras afins. Nada que já não estivesse acostumado, é o cheiro da campanha. Disse ele então, que domingo a tarde estava bebendo no bar da Odete, e conversando com seu amigo Tito, papo vai papo vem, a grana acabou e Tito perguntou se Gutemberg não tinha cachaça em casa, com a resposta positiva se foram a casa de Guto. Em lá estando, beberam mais um litro de purinha,  e Tito bebum feito Guto, pobre tal e qual, maltrapilho e sem dente idem, fez a seguinte proposta. Já que tavam só os dois ali, eram solteiros, não tinham muié, por que um não “favoceria” o outro. Favorece? Perguntou Guto. Sim, explicou Tito, que nem a gente se favorece das égua (o tal barranquear éguas, ou seja o ato sexual com o dito animal). Mas como assim disse Guto. Tito explicou. Eu me favoreço de ti e depois tu de mim. Guto achou estranho, isso nunca tinha lhe ocorrido, até por que o homoxessualismo é coisa pouco difundida aqui nessas bandas, no máximo tem uns “viadinhos campeiros”. Como já estava bastante embriagado, e ninguém ficaria sabendo mesmo, achou boa a ideia, enfim não tinha a perder, afinal pensava ele que buraco era buraco. Então ajoelhou na beira da cama como se fosse rezar (e talvez  fosse mesmo) e baixou as bermudas até os joelhos e Tito se favoreceu dele. Disse ele: Olha doutor, eu tava bêbado, mas lembro que doeu. Tito satisfeito ergueu as calças, e foi saindo. Guto afoito, querendo se favorecer também, disse. Agora é minha vez, agora é minha vez. Tito lhe olhou com olhar de estranheza e perguntou: - Que tu qué? – Ué, quero me favorece também. Tito respondeu com a cara mais deslavada do mundo: - Saí pra lá, tá loco, eu não sô viado. E saiu virando as costas. Infelizmente para Guto como o ato foi consentido, nada se podia fazer. Nessa o pobre coitado ficou na mão, e acabou descobrindo que favor não é obrigação

quinta-feira, 2 de maio de 2013

O Grande Maças.


A polícia como tudo na vida tem coisas boas e ruins, mas normalmente as boas são muitos boas e as ruins péssimas, dia a dia nos damos de cara com a miséria humana. Como digo, dentro de uma delegacia dificilmente vai se encontrar gente alegre, sorridente e cheirosa. Nossa clientela são os desassistidos pela sociedade. Mas apesar de tudo, como dizia um instrutor da acadêmia de polícia, a policia é uma cachaça, depois de um tempo vira vício. E a gente acaba conhecendo colegas que dignificam esta profissão. Felizmente tive sorte de trabalhar com pessoas boas, e um que outro excepcional, e dentre estes “O Grande Maças”. Foi num reforço destes, que se faz para ganhar uns trocados a mais. Eram três meses para lidar com homicídios “encravados”, coisa não resolvida de dez anos atrás, aquele tipo de caso que demanda tempo e muita paciência, o que normalmente em uma cidade grande é difícil de encontrar. A maioria dos casos eram disputas do tráfico, troca de tiros em via publica, coisas que não motivam muito policia a investigar. A maior parte sem suspeitos e em alguns casos nem a vitima tinha sido identificada. Eramos uma equipe de 6, todos policias velhos, e eu nem tão velho assim com 4 anos de casa, e com experiencia de cidade pequena, com 1 homicídio por ano, tinha pela frente uma carga de inquéritos que daria uns 10 anos de trabalho na minha delegacia. Realmente fiz boas amizades, e depois do primeiro mês, iam trocar dois colegas, e viria um tal de Maças, que diziam ser especialista naquele tipo de caso, um sujeito fuçador diziam os colegas. O Maças era um véinho, baixinho, estilo boa praça de fala mansa, inquieto e de risada fácil. Aquele era o famoso Maças. Gente buena como se diz lá pras banda de Bagé. Nos dias de trabalho junto com outros colegas aprendi muito, e ouvi muitas histórias, e principalmente observava o Maças, o que era impressionante como ver um truque de mágica. Ficávamos admirados, ele com aquela fala mansa, chamando as mulheres de “vizinha”, falando em resolver uma “bronquinha”, tratando os piores crimes como coisa normal da vida. Ganhava a simpatia das vitimas, e por incrível que pareça até dos acusados. Acabava enrolando as criaturas, que acabavam falando, como que num passe de mágica. Coisa difícil nessa profissão é fazer alguém falar, quase ninguém mais tem medo de policia. Mentem na nossa fuça, com a maior cara de pau, amparados pelos nobres advogados e todo tipo de dispositivo legal o e imoral para proteger “meliante”, vai da perspicácia de cada um tirar o serviço da parte. E nisso o Maças era craque, não sei como, mas quase sempre ele conseguia o que queria. E dizia ele: “Olha nunca precisei bater em ninguém pra conseguir uma informação”. Isso contrariando aqueles que acham que vagabundo só fala abaixo de pau. E assim foi um caso, em que um usuário de crack foi encontrado morto em casa, deitado no sofá com uma facada no peito. A mulher chamou a policia, e disse que encontrou ele assim. Caso antigo, de uns 7 anos atrás, varias pessoas foram ouvidas na época e não se chegou a lugar nenhum. E assim o Maças foi ouvindo a família da vítima, ouviu todo mundo, uns 10 disseram pouco saber além da versão da viúva, que a vitima estava em um bar, chegou esfaqueado em casa, e morreu no sofá. O Maçãs conseguiu identificar e ouvir uns 5 bebuns que estavam no bar no dia do crime, imagina tanto tempo depois, coisa difícil, fuçou e achou. Ouviu uma historia de que a filha de 4 anos do cara, tinha dito a uma da conselheira tutelar na época, que a mamãe fez dodói no papai. Bom aí ele já sabia, que a mulher que tinha matado o cara, mas como provar isso sem testemunhas? O testemunho de uma criança de 4 anos, não ia ajudar muito. Ele foi atrás da conselheira, que já estava, trabalhando em outro lugar, foi difícil achar, mas acabou confirmando a historia. Mas aí seria a palavra dela contra a da suspeita, pois improvável que a criança confirmasse a versão. O Maças então foi atrás da família da Marilu (suspeita). Ouviu a mãe dela que disse também ter ouvido aquela historia, e que a filha era coisa ruim, e até tinha posto fogo na casa com a filha dentro, pra que ela não contasse o que viu a polícia. Matou o marido e depois tentou matar a filha pondo fogo na casa, “ realmente uma santa essa Marilu”. Mas claro que eram só boatos, nada concreto. Então o velho Maças foi dar sua ultima cartada, na verdade ele só tinha “disse que disse”, ninguém viu o fato, apesar das circunstancia apontarem Marilu como autora, nada provava. Chamou a Marilu, uma negra retinta, com cara de espantalho, quando vi aquela mulher esperando no corredor até levei um susto, parecia uma entidade. Toda pretinha, com os olhos arregalados e cabelo rastafári, uma figura marcante. Maças a chama pra oitiva: - Oi Vizinha, pode passa. E começa ele com aquele papinho mole, Marilu durona, dizendo não saber de nada. E assim ele foi. Vizinha eu sei que ele lhe batia, era usuário de crack, tinha varias passagens pela policia. E ela concorda, dizendo que ele lhe batia, xingava, batia nos filhos, não prestava. É vizinha eu sei dizia ele. A senhora deve ter sofrido muito na mão desse homem, mas naquele dia ele lhe bateu? Ela disse que sim: - Antes de sair para o bar, ele me bateu. Bom... Vizinha então eu sei o que aconteceu, mas a senhora pode ficar tranquila, isso é coisa velha, não vai dar em nada, só to lhe ouvindo pra arquiva o caso, a senhora pode fica despreocupada, não vai acontece nada com a senhora. E Marilu, parece se tranquilizar. Vizinha, sei que ele estava drogado, lhe bateu, a senhora foi se defender, e acabou acontecendo o pior, a senhora se apavorou e disse que ele tinha chegado ferido da rua, mas foi a senhora que meteu a faca nele não foi? A mulher arregalou aqueles grandes olhos, naquela cara preta, e engoliu seco. Maças repetiu a conversa, e a mulher foi se abrindo, e por fim disse: - É ele me bateu, chegou em casa com a faca, em ameaço, e eu peguei a faca pra me defende e acabei acertando ele. No final satisfeito Maças da adeus a “vizinha” diz pra ficar tranquila, e que vá com deus. Ela sai da sala aliviada, como que se tivesse confessado seu grande pecado a um padre. Quando Marilu some do corredor, o Maças volta para sala dando risada, diz que sabia que era ela, e sentencia:- Essa vai pega uns 10 anos com certeza. Um golpe de sorte? Talvez. Mas ser excepcional é fazer da sorte seu oficio. Esse foi um dos vários casos que tive o privilégio ver esse mestre solucionar, além de ouvir outros tantos contados por ele, e por colegas que o conhecem. Forte abraço, grande amigo.